Diário de Notícias

Fernando Alves

- Jornalista. Escreve de acordo com a antiga ortografia

Fantasiar Bugios ou bugiar

Quando trabalhava perto do rio, ia muitas vezes pela marginal e procurava poiso onde pudesse contemplar a sesta dos cargueiros e o Forte de São Lourenço da Cabeça Seca, dito do Bugio, iniciado em finais do século XVI, sob a direcção do frade que Filipe I mandou vir de Nápoles. Os cargueiros são, aos meus olhos, a mais depurada ideia de casa movendo-se sobre as águas.

Agora que não podemos ir ver o Bugio, a não ser com trela, façamos, antes ou depois de votar, um aranzel com manta sobre os joelhos. Bugiemos, mesmo que tal fantasia leve à sugestão de que penteemos macacos. O Houaiss confirma o que podemos pescar à linha na rede (e o verbo “pescar”, veremos adiante, vem a propósito). O bugio é um macaco da floresta sul-americana, que exibe, em redor do focinho glabro, uma pelagem castanho-avermelhad­a (esta cor não me é estranha). No Brasil chamam-lhe barbado ou guariba. No poema de Mário de Andrade “Lundu do escritor difícil”, os versos finais perguntam: “Você sabe o francês singe/ mas não sabe o que é guariba?/ – Pois é macaco, seu mano,/ que só sabe o que é da estranja.” Guariba, bugio. Penteemos o parágrafo.

Sigamos, agora, o bugio que anda nas águas, peixe da família dos quimerídeo­s. É uma quimera com rabo de sereia, tirai o anzol da ideia de monstro mitológico com cabeça de leão. Nem leão-marinho, escamai-vos. Já me vem à lembrança um tal marquês de F de que o Garrett fala nas primeiras páginas das Viagens na Minha Terra, quando a traquitana virou para a Azambuja, ainda antes do momento inesquecív­el em que Joaninha acode ao chamamento da avó, “fazendo lembrar o rouxinol de Bernardim Ribeiro”. Era o marquês “feio como o pecado, elegante como um bugio, e as mulheres adoravam-no”, conta Garrett.

Vai o aranzel mais caótico que os passeios de domingo em fase recente do confinamen­to. Também a luz do farol do Bugio já serviu para anunciar cintos salva-vidas do Grandella. E em 1961 o ministro da Marinha chegou a propor à Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos a substituiç­ão da torre do farol por uma estátua de Nossa Senhora da Conceição, ficando a lanterna a fazer de coroa. Se o historiado­r Joaquim Boiça, antigo faroleiro, filho e neto de faroleiros do Bugio, desmentir esta parte da arenga, mandai-me bugiar.

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Sinais Fernando Alves

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