Cenoura e cacete na versão Biden
Theodore Roosevelt destacou-se pela fórmula da cenoura e do cacete que usou para impor a influência dos Estados Unidos nas Caraíbas na primeira década do século XX. Joe Biden, o mais velho presidente americano, parece estar a seguir a fórmula do mais jovem de todos os antecessores, pelo menos em relação às ambições nucleares do Irão. E o ataque de ontem contra milícias às ordens de Teerão no leste da Síria bem pode ser entendido como uma cacetada dada depois de os ayatollahs terem rejeitado as primeiras cenouras oferecidas pelo novo presidente. Estas vão da reabertura de negociações multinacionais até uma revisão das sanções repostas durante a presidência de Donald Trump, passando pela facilitação das viagens de diplomatas iranianos às Nações Unidas.
Apesar de Biden ter sido o vice de Barack Obama, o presidente que patrocinou o acordo que aceitava o nuclear para fins civis do Irão em troca de vigilância, Teerão adotou uma linha de inflexibilidade com a nova Administração que reflete a influência da ala mais dura do regime junto do Guia da Revolução, o ayatollah Ali Khamenei. Desde o ataque americano, na era Trump, contra uma alta figura militar, o campo moderado, do qual faz parte o presidente Hassan Rohani, tem menos margem de manobra para compromissos.
Mas a inflexibilidade de Teerão pode ser um bluff, com os iranianos a desejar mais concessões antes de negociar. Talvez acreditem que o facto de vários nomes da equipa diplomática, a começar pelo secretário de Estado Antony Blinken, terem estado nas negociações da era Obama os leve a tudo para restaurar um acordo saudado como histórico, mas que Trump rasgou.
Justificado como represália pela morte de um americano no Iraque, vítima de ataques lançados da Síria, a intervenção de há dois dias foi ponderada, como se Biden quisesse que a cacetada fosse suave. Teve, porém, o simbolismo de ser a primeira ação militar da presidência Biden, que demorou assim cinco semanas depois da tomada de posse, enquanto Trump autorizou ao fim de nove dias um ataque no Iémen contra uma célula da Al-Qaeda.
Theodore Roosevelt teve bons resultados com a aplicação, à sua maneira, da Doutrina Monroe, mas tornar as Caraíbas o pátio das traseiras da América não trazia antes de Fidel Castro dificuldades comparáveis ao xadrez que é o Médio Oriente. A fórmula do cacete e da cenoura arrisca-se a ser mal entendida – por exemplo, se este ataque às milícias xiitas que ajudam o exército sírio é fácil de interpretar por Teerão como “falaremos do nuclear mas não permitiremos que prossigam com guerras por procuração”, o que pensarão os líderes iranianos do novo relatório da espionagem americana que associa a morte do jornalista exilado Jamal Khashoggi ao príncipe herdeiro saudita? Uma cenoura para Teerão, dado Riade ser o campeão da causa sunita, ou simplesmente uma gestão paralela de outra pasta importante para Biden, um reequilíbrio das relações com a Arábia Saudita, aliado importante da América e recente parceiro de conveniência de Israel (aliado ainda mais importante para a América) no esforço de normalização com os árabes?
Biden disse que a América está de volta. Nem sempre esse regresso será fácil, sobretudo num Médio Oriente que nos últimos quatro anos se habituara a um Trump muito mais óbvio (outros dirão simplista) nas simpatias.