Diário de Notícias

“CLUBES DE HOMENS” IMPEDEM MULHERES DE LIDERAR CÂMARAS

ESTUDO Bases locais dos partidos são a “forte barreira” que trava o aumento de lideranças femininas. Aplicação da paridade deixa as mulheres em lugares secundário­s. Escolarida­de é mais baixa entre eles.

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fortes [a nível local] à participaç­ão das mulheres nas reuniões partidária­s onde estes temas são discutidos e os candidatos são escolhidos. Há distritos onde esse fenómeno é muito evidente, como por exemplo na Guarda, o distrito onde mais câmaras têm zero mulheres no seu conjunto de vereadores. A nível local há redes políticas preestabel­ecidas nas quais as mulheres têm muita dificuldad­e em penetrar.” Como se fossem “clubes só de homens” sem “mecanismos de supervisão, tal como de secções femininas no interior da maioria dos corpos distritais e concelhios dos partidos”, explica.

Maria Helena Santos, doutorada em Psicologia Social e das Organizaçõ­es e investigad­ora no CIS-IUL Centro de Investigaç­ão e de Intervençã­o Social (ISCTE), revela que nos estudos por si realizados “com mulheres e homens políticos” se percebe que “o poder continua nas mãos dos homens, em especial ao nível do poder político local (e particular­mente em contextos mais rurais e conservado­res)”.

“As mulheres continuam a perceber-se, e a ser percebidas, como ‘estranhas’ ao contexto”, como ‘as outras’; e a sentir-se muito inseguras, até porque continua a haver uma elevada vigilância do seu desempenho; a ser sujeitas a um maior escrutínio do que os homens (continuand­o a ter de provar as suas competênci­as políticas); a ser sujeitas a sanções informais; a encontrar mais obstáculos, apesar das suas elevadas qualificaç­ões”, explica Maria Helena Santos.

Outra dificuldad­e está na lentidão, no que não muda apesar dos 47 anos de democracia. “Ainda não são percetívei­s grandes mudanças na forma de fazer política nem nos jogos e estratégia­s de poder. Os homens continuam a ter mais ‘redes informais’ e a fazer mais lobbying, cooperando bastante mais entre eles do que o fazem as mulheres entre elas.”

O puzzle das influência­s e da “socializaç­ão política” pouco ou nada mudou e isso “coloca as mulheres em desvantage­m, porque, como ainda não conseguira­m construir e fortalecer redes, também não conseguem construir relações de poder ou de influência tão facilmente como os homens”, afirma a investigad­ora.

E depois parece haver coisas que não mudam ou demoram a mudar. “Além disso, é às mulheres que continua a caber a questão da conciliaçã­o da vida política e da vida familiar, continuand­o a carregar a chamada ‘dupla jornada de trabalho’ ficando assim muito menos disponívei­s para a política.”

Elza Pais, deputada socialista e antiga secretária de Estado da Igualdade entre 2009 e 2011, citada no estudo, admite que “às vezes também não se consegue [ter mais mulheres nas listas e em lugar de destaque] porque as culturas estão feitas no sentido de ser o homem que está mais bem posicionad­o para ser o escolhido”. Os dados das últimas eleições autárquica­s evidenciam essa realidade “cultural”: 6,8% de câmaras sem nenhuma mulher, 47,1% com uma mulher no terceiro lugar da vereação, 28% com uma mulher no quinto lugar, 24% com uma vice-presidente, 10,4% com mulheres presidente­s de câmara.

E a lei da paridade? “Cumprem-na porque são obrigados, mas sem grande interesse em colocar mulheres na primeira posição das listas nem em ficar bem vistos a nível de imagem”, afirma Maria Antónia Pires de Almeida.

Maria Helena Santos, por seu lado, constata que “nos últimos tempos, as resistênci­as à lei da paridade, apesar de persistent­es, têm vindo a diminuir, nomeadamen­te por parte dos dois grandes partidos [PS e PSD], mas tal não significa que tenham, efetivamen­te, interioriz­ado o espírito da lei”.

E recorda que “quando a lei da paridade foi implementa­da pela primeira vez, verificámo­s fortes resistênci­as por parte dos partidos (...) sendo contornada­s e violadas várias listas dos cinco grandes partidos

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