Diário de Notícias

Voar como nunca, além dos 15 metros, para uma prata que orgulha Portugal

PATRÍCIA MAMONA

- TEXTO ISAURA ALMEIDA isaura.almeida@dn.pt

Espetacula­r é dizer pouco! Patrícia Mamona sagrou-se vice-campeã olímpica do triplo salto. A menina bonita do atletismo português deu a si mesma e ao “país pequeno, que consegue grandes coisas” uma medalha olímpica. Em Tóquio 2020 voou literalmen­te para lá dos 15 metros e melhorou o seu recorde nacional por duas vezes. É o melhor desempenho de um atleta português nestes Jogos Olímpicos e a segunda medalha, depois do bronze de Jorge Fonseca no judo. No total, Portugal tem agora 26 medalhas olímpicas.

O desfile pelo Estádio Olímpico com a bandeira portuguesa nas costas foi mais do que merecido para a atleta, que assim junta a medalha olímpica aos dois títulos europeus (2016 e 2021) que já tinha no currículo. Patrícia ficou “nas nuvens” com a conquista, mas teve de ir dormir sem o precioso metal que coroa uma carreira que começou há 20 anos – a cerimónia foi só na última madrugada.

“Diziam-me: ‘O triplo salto não. És muito pequena, não tens perfil de triplista’. E agora sou vice-campeã olímpica”, atirou Patrícia, muito emocionada e “feliz” por fazer parte do restrito grupo das atletas que já passaram os 15 metros: “Na competição em que é batido o recorde do mundo eu fazer mais de 15 metros é gigante! É maravilhos­o...”

A primeira coisa que lhe veio à cabeça foi o treinador ( José Uva, que a descobriu em 2001 – “um treinador que me treina desde pequenina, que viu um talento especial e que nunca diria que estaria aqui, nós os dois, a representa­r este país que é pequeno mas que é grande, na maior competição”, como frisou), a família e Portugal: “São cinco anos a trabalhar para este momento, 20 anos no triplo salto. Estou orgulhosa de todos. Ainda agora me disseram que Portugal era um país pequeno, mas consegue coisas grandes. O apoio dos portuguese­s foi fundamenta­l. ”

Para Patrícia, “Paris 2024 pode esperar”. Agora quer é desfrutar do momento e esperar que inspire todos os que sonham: “Se acreditare­m mesmo que conseguem, vão atrás dos vossos sonhos.” Ela foi atrás do seu, um sonho que começou quando viu Nelson Évora ser campeão Olímpico do triplo salto em Pequim 2008. “Vai terminar a carreira nestes Jogos Olímpicos. Ele é uma inspiração para mim. Espero dar continuida­de ao que ele tem feito”, disse, garantindo ainda que “tem muito para dar”.

Recorde nacional: 15,,01 m

A atleta do Sporting já tinha avisado que estava na melhor forma de sempre aos 32 anos e entrou na final logo com um recorde de Portugal para não deixar dúvidas sobre as reais intenções na final! Um salto espetacula­r a 14, 91 metros, que bateu a sua melhor marca pessoal e recorde nacional conseguido há duas semanas (14,66), e também a sua melhor marca olímpica (14,65).

O segundo salto foi desastroso (12.30), fruto de um desequilíb­rio na chamada e a terceira tentativa foi

“Uma prova incrível, um novo recorde nacional e mais uma demonstraç­ão de enorme superação. Um resultado que muito nos orgulha e que dá a Portugal a 2.ª medalha nestes Jogos Olímpicos. Parabéns!” António Costa Primeiro-ministro “É o momento da afirmação do triplo salto. O Nelson Évora vai terminar a carreira nestes Jogos Olímpicos. Ele é uma inspiração para mim. Espero dar continuida­de ao que ele tem feito.” Patrícia Mamona Atleta olímpica

ainda pior (nulo). Mas na quarta ronda, Mamona saltou 15,01 metros, batendo de novo o recorde nacional e reforçando a posição de prata. Depois ainda fez um salto modesto a 14,66 (marca com que se apresentou nos Jogos) e fechou com 14, 97 metros

Na sua terceira participaç­ão olímpica (6.ª no Rio 2016 e 13.ª em Londres 2012), Mamona só foi superada pela superfavor­ita, a venezuelan­a Yulimar Rojas, que ficou com o ouro e estabelece­u novo recorde mundial (15,67 metros). O bronze foi para a espanhola (e namorada de Nelson Évora) Ana Peleteiro (14,87 metros).

Correr por um donut

Filha de angolanos, Patrícia nasceu em Lisboa, mas foi no Cacém que se começou a interessar pelo atletismo por culpa dos... donuts, o prémio de participaç­ão nas provas do desporto escolar. Foi no final de uma competição de corta-mato que um professor de Educação Física, José Uva (hoje é o seu treinador), a fez despertar para o atletismo. Os pais não gostaram muito da ideia e foi preciso o professor/treinador convencê-los de que a filha tinha futuro. E não se enganou.

Patrícia inscreveu-se no JOMA em 2001 e logo na primeira época ganhou o Atleta Completo. Como iniciada, em 2003, liderou os rankings de barreiras, altura, compriment­o, triplo e heptatlo, batendo os recordes nacionais destas duas últimas especialid­ades. Em 2011 foi para o Sporting.

A família entretanto mudou-se para Inglaterra, mas Patrícia ficou em Portugal a viver com uma tia para continuar no atletismo depois de prometer que ia conseguir conciliar o atletismo com o curso de medicina. Mas o curso era exigente e perdia muitas horas no caminho entre os treinos e a faculdade. Como “sonhava ser médica”, resolveu deixar o atletismo de lado. Até que aos 17 anos decidiu concorrer a uma bolsa universitá­ria nos Estados Unidose foi estudar medicina para a Universida­de de Clemson.

Para ser atleta de alta competição tinha de ser “atleta durante 24 horas” e apostar tudo no treino. Acabou por regressar a Portugal e aos treinos no Sporting. E os resultados foram aparecendo, tanto nos nacionais como nos europeus. Em 2016 sagrou-se campeã europeia do triplo salto ao saltar 14,58 metros em Amesterdão. No mesmo dia em que Portugal se sagrou campeão europeu de futebol com um golo de Eder. E há dois meses, depois de recuperar da covid-19 e de se apurar no último salto e na última prova de apuramento, voltou a sagrar-se campeã europeia.

Hoje é uma atleta a 100% e vai fazendo as cadeiras do curso de Engenharia Biomédica aos bocadinhos. Além disso é viciada em café!

Desde 2008 sem dois pódios

A prata de Patrícia Mamona no triplo salto e o bronze de Jorge Fonseca no judo colocaram um ponto final numa espera de 13 anos por mais do que uma medalha para Portugal. Desde Pequim 2008, em que Nelson Évora se consagrou campeão olímpico no triplo salto e Vanessa Fernandes conquistou prata no triatlo, que não se via múltiplos medalhados numa mesma edição. Em Londres 2012 a prata dos canoístas Emanuel Silva e Fernando Pimenta foi solitária, assim como o bronze de Telma no Rio 2016.

Portugal tem agora 26 medalhas em 100 anos e o atletismo é de longe a que mais conquistas deu ao nosso país (11), seguida da vela (quatro), do hipismo e do judo (três). O lugar mais alto do pódio é uma honra de apenas quatro campeões: Carlos Lopes (Los Angeles 1984), Rosa Mota (Seul 1988), Fernanda Ribeiro (Atlanta 1996) e Nélson Évora (Pequim 2008).

As duas medalhas conquistad­as até agora permitem cumprir o estipulado no contrato-programa entre o Comité Olímpico de Portugal e o Governo, já estipulava dois pódios. E ainda há esperança de melhorar este desempenho, na canoagem (Pimenta entra hoje em ação), no hipismo (Luciana Diniz), na marcha ( Jorge Vieira e Ana Cabecinha), na vela na classe 49ers ( Jorge Lima/José Costa) e no triplo salto masculino (Pedro Pablo Pichardo).

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 ??  ?? A felicidade e o orgulho de Patrícia Mamona com a bandeira depois de conquistar a medalha de prata em Tóquio 2020.
A felicidade e o orgulho de Patrícia Mamona com a bandeira depois de conquistar a medalha de prata em Tóquio 2020.
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O salto que estabelece­u o novo máximo do triplo salto português: 15,01 metros.

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