Teoria geral do cabritismo
A avidez socialista nunca vacila na colocação dos seus nas diversas estruturas de gestão direta, nomeadamente institutos públicos.
No léxico político Eduardo Cabrita é a “besta negra” (bête noire) do atual governo. E, justiça lhe seja feita, por sua própria irresponsabilidade. Se elencasse os casos e trapalhadas acumuladas, esgotaria o espaço que o jornal me atribui para este artigo. É chocante que após tantos casos indignos Cabrita permaneça em funções, o que confirma a sensação de inimputabilidade reinante no Partido Socialista.
É que o problema principal está longe de ser Eduardo Cabrita. Não sou dos que assumem a teoria que ele se mantém no governo só para servir de para-raios ao primeiro-ministro. O problema é endémico no PS, partido que tem como lema L’état c’est moi. Eles acreditam mesmo que estão acima das pessoas, acima do Estado, e que este apenas funciona como instrumento ao serviço dos seus intuitos partidários.
Todos os episódios em que Cabrita se viu envolvido são “apenas” uma normalidade para o PS. Se assim não fosse, não haveria vários outros casos bem reveladores da vocação do PS para assaltar o poder e ali estender os seus tentáculos.
Nem precisamos de recuar ao tempo de Sócrates, quando muitos dos atuais governantes já eram influentes. Basta considerar o que fez o governo de António Costa.
Um dos episódios mais emblemáticos foi a escandalosa transposição direta de Mário Centeno de ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal, numa cabal demonstração da ausência de fronteiras entre o Estado e o partido quando o PS detém o poder.
Isto ficou também evidente na escolha do procurador europeu, função estrutural no combate à fraude, à corrupção e ao branqueamento de capitais. Entre “lapsos” e informações falsas transmitidas a Bruxelas, Portugal viu-se condenado pelo Parlamento Europeu que aprovou uma resolução a manifestar “profunda preocupação” pelo processo.
A avidez socialista nunca vacila na colocação dos seus nas diversas estruturas de gestão direta, nomeadamente institutos públicos. Recentemente voltou a ser notícia a tomada de poder na Segurança Social, uma novela com vários ingredientes indecorosos e curiosidades como a do deputado socialista que chegou a estar indigitado para direções de oito centros distritais, até ficar à frente de um.
O PS é insaciável, como comprovou a recente nomeação da deputada (e ex-ministra) Ana Paula Vitorino para comandar uma entidade reguladora, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. Onde irá auferir a prebenda mensal de 12 mil euros, atingindo o cúmulo de enquanto deputada não se escusar de sugerir afinações e acrescentos ao relatório da sua audição.
É o vale-tudo na captura do Estado, seja nas entidades de tutela direta, seja em supervisores e reguladores, seja nos órgãos judiciais. O cabritismo é apenas uma erupção deste fenómeno estrutural no PS que visa envolver o Estado e a sociedade numa rede de dependências partidárias. E que tem sido um dos principais contributos para a estagnação do país.
Se em algumas sedes partidárias gostam muito de cantar “Em cada esquina um amigo, em cada rosto igualdade”, no Largo do Rato haverá certamente um remix à épica música que marcou a revolução de Abril, com camaradas abraçados a cantar “Em cada nomeação um socialista, em cada ministro um Cabrita”.