Paisagens de várias ilhas sem esquecer Nemésio
“Sempre comecei Mau Tempo no
Canal, e sempre a ele regresso, por esse lugar onde tudo tem início, a
Tábua de Personagens.” Inicia-se deste modo o segundo texto do livro
Rodeado de Ilha, de João Miguel Fernandes Jorge, um entre os 31 que se espalham com o cenário dos Açores em fundo. Em A Ilha, Corpo e
Alma está muito de corpo e alma dessas ilhas que o romance de Vitorino Nemésio foi capaz de mostrar ao mundo – talvez nunca a suficientes leitores portugueses – e que Fernandes Jorge utiliza para lançar como se fossem com o vento vários “capítulos” deste livro, após uma entrada violenta com padres e crianças à mistura, entre outros apontamentos que as vidas dos profissionais da religião continuam a permitir. Nemésio serve, portanto, como porta aberta para os Açores do autor e a outros textos há de voltar, de forma explícita ou não, sendo tão protagonista como os modos dos habitantes, as temperaturas instáveis, os tempos parados apesar da passagem dos anos e, principalmente, uma viagem por algumas ilhas que deixam o leitor tão curioso que continua nesta sua expedição até onde o autor permite ou, sendo capaz, de ir mais longe. Há um guião que une estes textos, que bem poderia ter sido elaborado a partir daquilo que é relatado em
O Café Central, onde mesmo que o autor confesse que o local “merecia melhor enredo”, não se deve acreditar nele, pois nem sempre muitos parágrafos ou uma atribulada ação geram uma perspetiva de um sítio do mundo, das pessoas, da história e da natureza como este
Rodeado de Ilha obtém. Afinal, trezentas páginas que se leem de enfiada e sem engulhos. Tem a particularidade de tudo se passar num único dia, moda que pegaria e que uma década e pouco depois o seu conhecido James Joyce repetiria em Ulisses, e no qual são abordados temas pouco habituais para a época: o stress pós-traumático da guerra, a bissexualidade ainda suficientemente distante do leitor e que intriga.