A angústia da existência
curioso que a única “constante” da vida é a “mudança”. Há outra, mas não é da vida, vem depois, é a morte. Não admira, portanto, que ambas as constantes sejam motivos de ansiedade. Deixemos, por hoje, à escatologia as preocupações do Além, confortados um bocadinho com a prece de Bocage – “Deus, Oh Deus!..., Quando a morte à luz me roube/ Ganhe um momento o que perderam anos/ Saiba morrer o que viver não soube” – para nos debruçarmos sobre esta preocupação que nos rouba a joie de vivre.
As mudanças foram sempre fonte de inquietude, sobretudo quando se trata de mudanças que ocorrem sem o nosso beneplácito. Estamos mais à vontade quando sentimos estar no controlo da situação. Não seria exagero dizer que a maior “mudança” na vida dos goeses como um povo é aquela que resultou da inclusão de Goa na Índia, em dezembro de 1961. Foi uma alteração de natureza sísmica que reverbera ainda hoje, 60 anos passados. Três fatores principais definiram a perceção desta mudança: a ignorância, a desconfiança e por fim a realidade. Ignorância, porque vivia-se numa época em que as comunicações eram rudimentares; a carência de factos era superada pela abundância de conjeturas. Desconfiança, porque a solicitude de nos libertar era suspeita; quem toma tanto incómodo por nada? Enfim, a realidade, que se tornou patente quando se vê o estendal da prevaricação do tecido sociopolítico. Adicione-se o facto de termos transitado de cadência – dos tempos quando as mudanças se operavam a um passo glacial, para um ritmo acelerado, às vezes mesmo frenético.
De um dia para outro a nossa pequena terra de 600 mil almas tornou-se parte de uma nação ciclópica que, dispensando de toda a formalidade, nos cerrava num abraço, inquietante de tanta amabilidade. É natural que esta experiência tenha sido traumática. Como reagimos? Como qualquer povo em circunstâncias análogas – uns, deixaram o torrão natal; outros, deixaram-se ficar, tentando acomodar as suas vidas à nova realidade, observadores à margem da sociedade que se transformava a olhos vistos, e ainda outros associaram-se com alacridade ao bulício da nova ordem que raiava, antevendo oportunidades que despontavam numa cultura onde a demarcação entre o bem público e o interesse privado se tornava ténue.
E cá estamos, 60 anos depois, ainda atordoados, com a “mudança”, incapazes de compreender como foi que tanta gente da nossa terra que se cria ciosa dos seus valores – amor à terra, lhaneza de trato, respeito dos compromissos assumidos, lisura na administração da fazenda pública – seria capaz de tal reviravolta. Além disto, estamos agora à beira de uma transição de natureza existencial. Hoje, para além de um terço da demográfica de Goa ser constituída de imigrantes, ao ritmo presente, dentro do período de uma geração, os goeses estarão em minoria, dizem os sabidos na matéria. A sociedade goesa está ao corrente da marcha do tempo, porém incapaz de esboçar um pleito coletivo, apartidário, para encaminhar o futuro em direção desejada. O indeferimento do pedido de um Estatuto Especial para Goa, pôs termo à busca de uma plataforma comum para influenciar o porvir e fez de nós meros observadores (e carpidores) do desenrolar da derrocada da Goa que conhecemos.