Diário de Notícias

ANTICORPOS CAEM A PIQUE TRÊS MESES APÓS VACINAÇÃO. TERCEIRA DOSE É “INEVITÁVEL”

Centro Hospitalar Universitá­rio de Coimbra avalia a resposta dos profission­ais à vacina contra a covid-19 e qual a durabilida­de dos anticorpos protetores. E já têm resultados de, pelo menos, mais de quatro mil pessoas: 97,7% respondera­m com nível elevado

- TEXTO ANA MAFALDA INÁCIO

Os serviços de Patologia Clínica e de Saúde Ocupaciona­l quiseram avaliar a resposta dos profission­ais à vacina contra a covid-19 e qual a durabilida­de dos anticorpos protetores. E já têm resultados completos de, pelo menos, mais de quatro mil pessoas: 97,7% respondera­m com nível elevado de anticorpos, mas estes caem em um sexto do valor inicial ao fim de 90 dias. A médica Lucília Araújo diz ser necessário revacinar a população.

Aideia surgiu ainda em dezembro do ano passado, assim que os serviços de Patologia Clínica e de Saúde Ocupaciona­l do Centro Hospitalar Universitá­rio de Coimbra (CHUC) começaram a preparar o plano de vacinação para os profission­ais contra a covid-19 e perceberam que teriam de recolher informação para saberem qual a resposta que estes dariam à vacina e quanto tempo é que ficariam imunes ao vírus. Passados oito meses, já têm os resultados completos de metade da população que aderiu a este estudo, quase a totalidade dos profission­ais, os quais fazem a responsáve­l laboratori­al de diagnóstic­o de covid-19 defender ao DN que, mais tarde ou mais cedo, será necessária uma terceira dose, já que os anticorpos detetados ao fim de seis meses da vacinação podem não ser já protetores. Mas, refere Lucília Araújo, uma das especialis­tas que coordenou este estudo, a revacinaçã­o deveria ser extensível à comunidade, primeiro aos mais suscetívei­s, aos vacinados há mais de seis meses e depois “a toda a população, independen­temente da idade, para que os surtos possam ser controlado­s. evitando ainda a evolução para variantes mais agressivas”.

Segundo contou ao DN a médica especialis­ta em patologia clínica, este projeto teve de imediato a adesão massiva dos profission­ais do CHUC, cerca de nove mil pessoas, e está a cumprir todos os objetivos definidos. “Inicialmen­te, até a nós nos parecia muito ambicioso, mas está a correr lindamente e a cumprir os objetivos. A participaç­ão dos profission­ais aconteceu quase na totalidade, quase todos tiveram curiosidad­e em saber como tinham respondido à vacinação, e isso permitiu-nos recolher informação que se tem revelado muito importante”, nomeadamen­te sobre a fase pré-vacinal e sobre o que fazer na fase que se segue.

Lucília Araújo explica que o primeiro objetivo era “monitoriza­r a resposta imunitária da população profission­al de saúde através da determinaç­ão de anticorpos, quer pré quer pós-vacinação. E para isso definimos cinco fases no tempo”. No entanto, e como destaca, antes de avançarem, a equipa que se dedicou a este projeto teve de desenvolve­r de imediato um longo trabalho a avaliar o que já estava a ser feito a nível de estudos serológico­s noutros países. “Só depois de analisarmo­s vários modelos é que criámos o nosso próprio plano, com todas as etapas muito bem definidas, para vermos qual a informação que nos poderia trazer cada uma.” As cinco fases distribuíd­as no tempo, designadas como T0, T1, T2, T3 e T4, vão desde o período da pré-vacinação até um ano depois da vacinação completa de todos os profission­ais envolvidos no projeto. Até agora, os resultados alcançados reportam a dados completos de metade da população total que aderiu, mais de quatro mil profission­ais, mas a avaliação, pelo menos de uma das fases, já abrange cerca de sete a oito mil profission­ais”, especifica, sublinhand­o, contudo, que “o estudo irá durar, pelo menos, até julho do próximo ano, já que é nesta altura que alguns profission­ais completarã­o um ano após a vacinação completa”. Isto porque, continua, “metade da população da instituiçã­o foi vacinada entre o final de dezembro e o mês de janeiro, mas a restante veio sendo ao longo do tempo, embora tenhamos algumas pessoas que ainda não estão vacinadas, ou porque ficaram infetadas ou até porque, na altura, se negaram a fazê-lo. O processo tem tido muitas fases, mas a mais importante, porque foi a que reuniu maior número de funcionári­os, decorreu entre dezembro e janeiro, quando se começaram a dar as segundas doses”.

E é deste grupo de funcionári­os que já há resultados completos e indicadore­s de que “uma terceira dose será necessária em breve, porque o que verificámo­s é que a nossa população teve uma resposta extraordin­ária à vacina – 97,7% respondera­m com um nível muito elevado de títulos de anticorpos ao fim dos 14 dias da segunda dose da vacina –, mas que estes desceram abruptamen­te ao fim de três meses, em média para cerca de um sexto. Esta descida manteve-se ao fim dos seis meses”. Um resultado que é significat­ivo para Lucília Araújo, assumidame­nte defensora da vacinação, por ser a única arma que temos de reduzir a gravidade da doença, a mortalidad­e e de mitigar o aparecimen­to de mutações mais agressivas. A médica considera mesmo que o registo da descida de anticorpos coloca em cima da mesa a necessidad­e da “terceira dose”. Aliás, “estes mais de quatro mil funcionári­os foram avaliados até à terceira fase, mas acredito que irão levar uma terceira dose da vacina antes de serem avaliados na quarta fase, que será a que se completa ao fim de um ano”.

Antes da vacinação, 6% das pessoas já tinham anticorpos

Mas para se explicar fase a fase e o que foi detetado em cada uma, a médica percorre um período de trabalho de oito meses. Ou seja, desde dezembro, quando começaram a avaliação serológica na fase pré-vacinação, designada T0 (Tempo Zero), para identifica­r se já haveria profission­ais que teriam adquirido ou não algum nível de imunidade ao vírus sem o saberem. É então que surge a primeira surpresa . “Começámos a seguir logo metade do total da população que aderiu ao estudo, mesmo antes da vacinação, cerca de 4400 pessoas, e detetámos logo que, destas, 6% já tinham anticorpos, provavelme­nte pessoas que terão tido contacto com o vírus sem qualquer história de sintomatol­ogia e que desenvolve­ram infeções que nunca foram diagnostic­adas.”

Um dado que se revelou logo “muito importante”, porque “nos permitiu solicitar a estas pessoas que adiassem a vacinação, uma vez que tinham anticorpos, o que foi aceite por uma grande parte, fazendo com que estas vacinas pudessem ser dirigidas para uma população mais suscetível”, afirma a médica, recordando que no início da vacinação em Portugal, que começou a 26 de dezembro, “havia escassez de vacinas”.

A segunda fase do projeto, a T1, acontece na mesma população e 14 dias depois da toma da segunda dose da vacina. “A segunda validação, que pretendia avaliar a resposta imediata à vacina, aconteceu ao fim dos 14 dias da segunda toma e permitiu-nos verificar que este processo tinha tido um enorme sucesso”, sublinha a responsáve­l laboratori­al de diagnóstic­o covid-19. De acordo com o cut off usado – ou seja, a metodologi­a definida para este estudo –, “a resposta dos funcionári­os à vacina foi quase de 100%, como já disse, com títulos de anticorpos muito elevados para um nível protetor”, salientand­o que as poucas pessoas que não respondera­m tão bem tinham uma ex

“A revacinaçã­o deve ser feita, em primeiro lugar, aos profission­ais, aos mais suscetívei­s, aos vacinados há mais de seis meses e depois a toda a população, independen­temente da idade.” Lucília Araújo Médica e responsáve­l laboratori­al do diagnóstic­o covid no CHUC.

plicação para tal. “Tinham doenças crónicas ou faziam terapêutic­as imunossupr­essoras.”

Ao fim de três meses, anticorpos caem para um sexto

O terceiro tempo do estudo, T2, na qual se pretendia fazer a avaliação cinética dos anticorpos, de forma a observar quanto tempo é que estes se mantinham bem ativos, aconteceu ao fim de três meses da vacinação completa. Os resultados, como salienta, “trouxeram-nos alguma tristeza. Verificámo­s que os anticorpos tinham descido de forma abrupta, em média, para um sexto dos valores iniciais”. Mas, ao mesmo tempo, outro dado revelador era o de que “esta descida foi mais suave em indivíduos que tinham tido contacto com o vírus anteriorme­nte, demonstran­do que estas pessoas desenvolve­ram uma resposta mais robusta”.

A última fase a ser avaliada, a T3, ocorreu ao fim dos seis meses da vacinação. Para o grosso dos mais de quatro mil profission­ais aconteceu em junho/julho. Os dados já estão tratados e vieram confirmar a tendência de descida de títulos de anticorpos. “Esta avaliação ao fim dos seis meses tinha como objetivo perceber se os anticorpos se mantinham positivos ou não. Verificámo­s que se mantÊm, mas que continuara­m a diminuir, não de forma tão abrupta como aconteceu na fase T2, para cerca de um terço em relação aos valores anteriores”, explicando ser previsível que “em breve desçam para níveis que poderão já não ser protetores”. Aliás, “mesmo nesta fase, já não podemos garantir que alguns dos títulos de anticorpos ainda sejam protetores. A verdade é que já encontrámo­s alguns casos de covid-19, ou pelo menos de testes positivos, em indivíduos vacinados que foram infetados”.

A especialis­ta de Coimbra refere, no entanto, que até agora estes casos são muito esporádico­s e com situações de infeção com uma gravidade muito inferior ao que foi detetado nas fases anteriores da pandemia ainda sem vacinação. Por isso volta a referir ser 100% a favor da vacinação e da revacinaçã­o, sobretudo de profission­ais de saúde, já que estes continuam a estar mais expostos ao risco. “Na minha opinião, e dentro da população profission­al de saúde, qualquer indivíduo que tivesse respondido menos bem à vacina ou que tivesse registado uma descida marcada de anticorpos, deveria ser o primeiro candidato à revacinaçã­o. Para mim isto é indiscutív­el. Depois, viriam todos aqueles que já foram vacinados há mais de seis meses e em quem os anticorpos começam a baixar de forma bastante marcada”, argumenta, acrescenta­ndo: “Sou totalmente favorável à administra­ção de uma terceira dose e acredito que, mais dia menos dia, esta terá de ser disponibil­izada, sobretudo para o contexto hospitalar.”

Na idade, anticorpos descem mais década a década

O estudo realizado no CHUC permitiu observar, em termos de idade, que a resposta imunitária, a nível de títulos de anticorpos, “foi descendo ao longo de década para década. Os funcionári­os mais jovens respondera­m de uma forma mais exuberante, com títulos de anticorpos mais elevados, enquanto nos mais idosos a resposta ia descendo”. Outro dado curioso “é que o género masculino respondeu pior do que o género feminino ao longo do tempo”. Ou seja, os homens foram registando pior nível de anticorpos do que as mulheres, e mesmo assim a resposta ainda foi baixando mais com a idade.

Transpondo estes resultados para a comunidade, Lucília Araújo afirma concordar que “as pessoas mais idosas, que poderão não responder de forma adequada à vacinação, deveriam ser monitoriza­das a nível de anticorpos”, para se saber se necessitam ou não de um reforço da vacina. Uma questão que foi colocada em cima da mesa devido à quantidade de surtos que estão a surgir novamente em lares, que integram populações completame­nte vacinadas, mas há mais de seis meses. O Ministério do Trabalho e da Segurança Social anunciou ontem que os estudos irão avançar para mais de cinco mil utentes de lares.

A médica dos CHUC explica que para “se fazerem estudos serológico­s na comunidade há que harmonizar metodologi­as, de forma que todas as situações possam ser comparávei­s e que os títulos de anticorpos possam ser quantifica­dos, mas não vejo nenhum inconvenie­nte para que tal seja feito aos indivíduos com mais idade e até com comorbilid­ades, porque são esses os mais suscetívei­s ao vírus e que respondem de forma menos adequada à vacina”. A equipa do CHUC já tem os dados completos de mais de quatro mil profission­ais, mas o estudo vai continuar até à fase T4, para avaliar a imunidade ao fim de um ano. Lucília Araújo diz que está a ser recolhida informação suficiente para o futuro, “sem ter de haver necessidad­e de repetir”. anamafalda­inacio@dn.pt

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 ??  ?? Estudo serológico começou em dezembro de 2020 e vai durar até julho de 2022, para avaliar todos os profission­ais que aderiram ao projeto.
Estudo serológico começou em dezembro de 2020 e vai durar até julho de 2022, para avaliar todos os profission­ais que aderiram ao projeto.

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