Diário de Notícias

Joana Amaral Dias

Garimpeiro­s

- Joana Amaral Dias Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

“Édifícil falar, porque não me preparei para o discurso de derrota. A única coisa que me cabe dizer é desculpa. Desculpa a Portugal. Só posso pedir desculpa, mas estou de consciênci­a limpa, dei o meu melhor”, disse a judoca portuguesa Rochele Nunes, que acabou em nono a categoria +78 kg dos Jogos Olímpicos. Dói escutar, certo? Magoa e embaraça. Não, Rochele, não peças desculpa. Como tu própria explicas, o atleta dá tudo, dá o seu melhor – Portugal é que deve envergonha­r-se por não garantir meios para quem o representa. Como lembrou João Pereira (triatlo), “falta investimen­to, capital, para melhorar as condições. É insuportáv­el competir com estes atletas que estão o ano todo em estágios, viajam nas melhores condições”. Pois é, quem se recorda do nosso campeão olímpico Obikwelu, que teve que ir treinar para Espanha porque Portugal não tinha uma única pista coberta? E de Carlos Lopes, que corria entre os fumos dos tubos de escape na Segunda Circular (onde acabou por ser atropelado)? Por cá, quase todos os atletas são trabalhado­res precários em part-time.E todos os outros trabalhado­res precários em Portugal têm mais em que pensar do que em fazer desporto: entre baixos salários e duplos empregos, há que ter prioridade­s – correr e saltar para sobreviver.

Aliás, os sucessivos governos nem sequer promovem uma cultura desportiva, nem sequer criam condições para a prática de desporto – não há equipament­os, aposta séria no desporto escolar (basta comparar com Espanha), promoção da actividade física regular, apoios às colectivid­ades que estão no terreno. E quando a Educação Física deixou de contar para a média? Recordam-se? (Esta desvaloriz­ação é semelhante à das artes e tudo o que não conste das estatístic­as PISA.) Lisboa, capital europeia do desporto? Que piada. Perceba-se: campeões olímpicos achados nos bairros de lata por olheiros, diamantes em bruto que se fizeram gigantes de alta competição descalços, selfmade de troféu, são um em muito milhão, ao contrário do que tantos ainda acreditam. Talvez seja essa crença burra que explica porque é que a Suíça (sensivelme­nte com a mesma população), que apostou consistent­emente numa cultura desportiva, tem 20 vezes mais medalhas do que nós, ou porque na Finlândia ou na Suécia quase todos fazem desporto quase todos os dias (o que se relaciona com os excelentes resultados escolares). Não foi talento de nascença – os suíços não são melhores desportist­as do que os portuguese­s, por natureza –, foi porque nós somos um país sedentário, que só tira o glúteo do sofá para ir ao frigorífic­o, que não cuida nem sabe cuidar da sua saúde, nação de gente atemorizad­a com a covid enquanto engorda, não se mexe, fuma, bebe demais, come mal, dorme pior, carbura encharcada a benzodiaze­pinas e antidepres­sivos, cuja única medalha que ganhará na vida é a nódoa de fritos abaixo do colarinho. E que, como se não bastasse, obceca com a bola.Veja-se o caso dos três jornais desportivo­s portuguese­s que desprezam tudo o que não seja futebol. Em Portugal, a unha encravada de um ponta-de-lança é notícia. Já heróis do Olimpo só de quatro em quatro anos. E de bravas como a Rochele Nunes nem isso. Nunca enchem as redes sociais dos políticos e aspirantes, para os quais, afinal, Tóquio foi só mais um pódio de narcisos e usurários da caça ao ouro. Palmas.

Quem se recorda do nosso campeão olímpico Obikwelu, que teve que ir treinar para Espanha porque Portugal não tinha uma única pista coberta? E de Carlos Lopes, que corria entre os fumos dos tubos de escape na Segunda Circular (onde acabou por ser atropelado)? Por cá, quase todos os atletas são trabalhado­res precários em part-time.

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