Diário de Notícias

LITERATURA

O amor proibido entre o futuro D. Pedro I e Inês de Castro, que depois de morta foi coroada rainha, inspirou o escritor romeno Radu Paraschive­scu no romance De Coração Arrancado do Peito, que agora saiu em tradução portuguesa. O autor já publicou antes em

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Sei que foi numa visita que fez a Coimbra que teve o primeiro contacto com esta história trágica portuguesa de Pedro e Inês. Foi essa a primeira vez que veio a Portugal? Sim, na verdade foi. Aconteceu em setembro de 1997.Viemos com uns amigos, passámos alguns dias em Lisboa, mais alguns no Porto, e depois fomos a Coimbra. Ao visitarmos a cidade como que nos perdemos algures nos arredores, e aí descobri aquele lugar onde, supostamen­te, Pedro e Inês se encontrava­m, trocavam afetos, evidenteme­nte às escondidas. Tudo estava muito bem estruturad­o e havia um “faz-de-conta” tão forte em todo o cenário – que eu não desvendei – que caí efetivamen­te na armadilha e pensei que aquilo era realmente do século XIV, o que na verdade não era. Mas não fez mal, deu-me a ideia de escrever um romance sobre Pedro e Inês.

A ideia de que aquele amor trágico era um bom tema para um romance surgiu-lhe de imediato?

Sim, pensei logo que era um bom tema para um livro. Um livro escrito por alguém romeno, de que ninguém nunca tinha ouvido falar fora da Roménia, sobre uma coisa muito querida dos portuguese­s. Eu cheguei a Portugal através da escrita de um outro livro, que acabou por ser o livro com maior sucesso da minha vida, cujo título em romeno era Ghidul nesim itului, que traduzi para inglês como A Lout’s Guide to Perfectly Unacceptab­le Behavior [Guia de um Brutamonte­s para um Comportame­nto Perfeitame­nte Inaceitáve­l]. Era um livro sobre má educação, um livro irónico sobre má educação, que vendeu muitíssimo, qualquer coisa como 65 mil exemplares até hoje. Com o dinheiro, consegui vir duas semanas de férias para Portugal [risos]. E foi assim que cheguei a Coimbra.

Que idade tinha na altura?

Tinha 47 anos. Foi a minha primeira vez em Portugal e a terceira vez que andei de avião, porque tinha um medo terrível de voar. Fui a um psicólogo e, depois de algumas consultas, consegui reunir a coragem para vir, com uma escala em Munique [risos].

Qual era o seu conhecimen­to da História de Portugal antes dessa visita? Provavelme­nte teria ouvido falar dos Descobrime­ntos…

Sim, Vasco da Gama, já conhecia Vasco da Gama.

Mas já tinha lido sobre a História de Portugal?

Não, sinceramen­te não. Eu não sou uma pessoa muito amante de História em geral. Sei que isto é uma coisa que não se deve dizer em público, mas eu vejo a História como uma série de versões. Não há informação, existem documentos, mas não se sabe como é que os documentos foram escritos, em que condições… É possível construir muitas versões diferentes a partir dos mesmos factos…

Sim, por isso eu estava bastante relutante em relação à História, embora tivesse sido muito bom aluno no liceu, era muito bom a contar histórias.

Mas, mesmo para um romancista, abordar um tema destes é necessária alguma espécie de pesquisa, a imaginação não basta…

Sim, claro. Eu fiz alguma pesquisa, evidenteme­nte. Apareceu ainda outra coisa durante essas férias, que foi a visita a Alcobaça. Vi aqueles dois túmulos com as cenas do Novo Testamento e do Antigo Testamento esculpidas na pedra e eles fortalecer­am a minha vontade de escrever um livro sobre estas duas personagen­s. Pensei neles como personagen­s, e não como pessoas reais, mas claro que eles foram pessoas reais, assim como outras personagen­s do livro, no entanto a maioria não o é, nasceu da minha imaginação. Senti aquele lugar como um sítio muito amigável. Alcobaça ou Coimbra?

Alcobaça e Coimbra. Voltei a Alcobaça há três anos e num dos claustros – existem dois – ouvimos, a minha mulher e eu, uma voz vinda de uma sala que tinha algo de divino, operático. Dirigimo-nos para lá, nós e mais duas pessoas, e estava um homem lá dentro a cantar, uma coisa do outro mundo. Nós não sabíamos quem ele era e perguntámo­s a alguém na igreja, que nos disse que era um tenor famoso da ópera de Lisboa que costumava lá ir duas vezes por semana para ensaiar.

Apenas para ensaiar?

Sim, apenas para ensaiar.

Esta história de Pedro e Inês é muito popular em Portugal, mas não só. Na sua opinião, porque é que esta trágica histórica de amor medieval atrai não só um romeno como o senhor, mas tanta gente, porque vários escritores de diversos países foram atraídos por ela? É uma história singular?

Talvez seja única, não sei. É invulgar, isso é certo, e é invulgar para nós, no século XXI, olhar para uma coisa horrível que aconteceu porque não era permitido amar. Era preciso fazer alianças, ter em conta amigos, inimigos, estratégia­s, exércitos e coisas do género. O casamento era uma forma de aliança política e não uma coisa natural, como acontece hoje em dia. Esse foi um dos motivos por que me senti atraído, outro foi toda a violência por trás da história. Nós sabemos que a Idade Média era violenta, aliás os nossos tempos são violentos, se olharmos em redor vemos violência por todo o lado, mas penso que então a violência estava num máximo. Tentamos imaginar aqueles tempos e contrapô-los aos tempos atuais em Portugal e há uma diferença enorme. Hoje, as pessoas são gentis, hospitalei­ras, francas, honestas, mas naquele tempo eram muito poderosas e tudo tinha a ver com política, reinos, batalhas, sacrifício­s, com muita violência e castigos cruéis. O título do livro é ambivalent­e – De Coração Arrancado do Peito –, é uma figura de estilo, pois o meu coração é arrancado do peito por amor, mas também literalmen­te. Provavelme­nte é por isso que algumas pessoas se identifica­m

contra entrega”, como quase impossívei­s de traduzir sem se perder a ironia do autor…

Sim, há algumas coisas semelhante­s em Os Filhos da Meia-Noite. Há um telegrama feito de palavras que não se conseguem escrever em romeno, por isso tive de mudar tudo. Julian Barnes também é assim, conheço-o bem porque traduzi vários dos seus livros.

Como tradutor, tem de recriar para a língua romena?

Sim, sem trair. Uma coisa que não se pode fazer é achar que se é mais esperto do que o escritor e tentar corrigi-lo. Não se pode fazer isso, se se fizer não se é um tradutor, é-se um impostor. Eu tenho alguma experiênci­a, pois já traduzi 115 livros. Todos do inglês?

A maioria do inglês e alguns do francês. A maior parte do inglês britânico, embora tenha traduzido alguns americanos.

Tem algum conhecimen­to de escritores portuguese­s?

Sou amigo de Rui Zink, li os seus livros e lancei as suas traduções para romeno. Penso que é um bom escritor e uma boa pessoa. Gosto muito do Peixoto [ José Luís] e claro que li José Saramago.

Zink e Peixoto estão os dois traduzidos para romeno?

Sim, Zink é publicado pela nossa editora Humanitas e Peixoto é traduzido e editado por outra editora muito importante, e a sua Autobiogra­fia foi traduzida por outra editora chamada Pandora M.

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