Sebastião Bugalho
Três cartazes à beira da estrada
Em 2012, há menos de dez anos, um jovem deputado liberal subia a um ringue de boxe para defrontar um senador conservador. O evento decorreu num hotel à beira do parlamento. O senador, mais experiente, cinturão negro de karaté e reservista naval, partia como favorito. O deputado, de apelido célebre e comprido penteado, seria líder partidário no ano seguinte. Venceria a sessão de pugilato por KO e as eleições para primeiro-ministro três anos mais tarde, em 2015. O seu nome era Justin Trudeau.
Com as devidas distâncias, a recordação ilustra algo que ocupou a semana política: excentricidades visuais como mecanismo eleitoral. Trudeau surgiu de calções e roupão berrante para se afirmar na cena nacional, disputando um combate em que o perdedor raparia o cabelo como aposta – promessa certamente assoladora para o próprio –, e o presidente da JSD apresentou-se em preparos igualmente joviais, de peúgas fluorescentes. Em 24 horas, foi mencionado meio milhão de vezes no Twitter. Bem ou mal, tornou-se conhecido. Nas palavras de Luís Paixão Martins, foi “um dia bom” do ponto de vista comunicacional.
Num exemplo menos estridente mas também revelador, o cartaz de Carlos Moedas, idêntico ao de Fernando Medina excetuando uma palavra, foi outro caso de sucesso por via criativa. Pela primeira vez em toda a campanha, o candidato do PSD a Lisboa abriu um telejornal.
Uma reação comum ao modo como o marketing tomou conta das estratégias de campanha passa por acusações de infantilização do eleitorado, falta de ideias concretas, mimética populista e banalização do cargo. Nenhuma delas, na sua maioria, é inteiramente infundada. É tão verdade que assistimos a uma dessacralização da política como não é mentira que os políticos marcantes preservam ao mesmo tempo um grau de institucionalismo. Merkel e a sua imobilidade, Macron e o seu simbolismo bonapartista, Draghi e a aura professoral, Marcelo e a autoridade de fundador do regime, Biden e a “luta pela alma da América”. Keir Starmer, líder da oposição britânica, foi procurador-geral do Ministério Público e ordenado cavaleiro. A ideia de que a animação conquistou as democracias liberais é, na verdade, só uma ideia.
O equilíbrio ideal passará por conciliar arrojo na mensagem e credibilidade no mensageiro, coisa que, por cá, a Iniciativa Liberal consegue ao manter o exotismo dos cartazes isolado dos seus rostos protagonistas. Em Oeiras, Alexandre Poço exagerou. Mas anónimos não têm por hábito ganhar votos.
Falando de política a sério, as autárquicas deste ano fermentam em caldo de surpresas. No PS, há duas dúvidas: as consequências da pandemia no seu eleitorado (crescentemente envelhecido e funcionalizado) e os efeitos de um governo desgastado nos poderes locais. No PSD, há duas incertezas: a dimensão da derrota e o impacto do Chega no seu resultado. Se o fulgor da vacinação valerá um trunfo eleitoral a António Costa é ainda uma incógnita. Que o papel das autarquias aumentou durante a crise pandémica – sendo, no fundo, o Estado social que nos resta – é inegável.
Contrariamente a 2017, a campanha quedou-se menos nacional. O governo tem menos êxitos e estabilidade para exibir e Rui Rio demitiu-se das eleições que havia declarado prioritárias, ao propor uma revisão constitucional meses antes destas.
Se olharmos a área metropolitana de Lisboa, onde Rio recrutou melhores nomes do que no seu Porto, apercebemo-nos de como nenhum deles está remotamente próximo da agenda nacional do PSD. Baptista Leite quer “curar Sintra”, mantendo a bata de médico como ativo e sofrendo o azar de encontrar um candidato do Chega com bases instaladas (Nuno Afonso, próximo de Marco Almeida). Suzana Garcia, como comprovado, tem pouco que ver com o “centro-esquerda” de Rui Rio. O líder da JSD, que nunca apoiou internamente Rio, está na relatada busca de notoriedade. Moedas foi secretário de Estado e comissário europeu a convite de Passos, tendo uma transição para político de terreno igualmente imprevisível.
A direita, como foi já advertido por quem de direito, parte de resultados trágicos em 2013 e 2017. A previsão de que é impossível suceder pior em 2021 é racional, mas otimista. A Guarda, depois da saída de Álvaro Amaro para Bruxelas, pode perder-se. Albufeira, que enfrentará um ex-presidente como independente, também. O Funchal, apesar de uma boa lista, corre o risco de permanecer socialista. Coimbra pode ser perdida pelo PS, mas não seriamente tomada como vitória do PSD. Barcelos, após percalços judiciais da incumbência, pode virar novamente laranja. Santana regressará à sua Figueira, de olho em 2026. O Corvo, nos Açores, e São João da Madeira, a norte, poderão alentar o CDS. O meu palpite? Na noite de 26 de setembro, as lideranças do centro-direita justificarão a derrota nos seus antecessores e defenderão a sua manutenção com resultados insulares. E, desta vez, não chega.