“O cante é coletivo. Não dá para estar um aqui e o outro a dois metros. Os grupos vivem dos convites, dos convívios e o que noto é o medo”, diz o antropólogo Paulo Lima.
presenta um investimento a rondar os 350 mil euros, cofinanciado em 85% pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do programa Alentejo 2020, acrescentou Tomé Pires.
O cante alentejano, um canto coletivo, sem recurso a instrumentos e que incorpora música e poesia, foi classificado em 2014 como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. A candidatura foi promovida pela Câmara de Serpa, em conjunto com a Casa do Cante, que passa, a partir de amanhã, a assumir a designação única de Museu do Cante, e teve o contributo da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo, da Casa do Alentejo, em Lisboa, da Confraria do Cante Alentejano e da Moda – Associação do Cante Alentejano.
Paulo Lima, um dos responsáveis pela classificação do cante como Património Cultural Imaterial pela UNESCO, diz, no entanto, que um terço dos cerca de 180 grupos de cante alentejano pode não voltar a devido à pandemia de covid-19 . “Se calhar, um terço pode não voltar a reunir-se. Não quero estar a ‘inventar’, mas estou a dar um valor dentro daquilo que são as minhas suposições”, disse o antropólogo, em declarações à agência Lusa.
Na base da estimativa de Paulo Lima, ligado ao novo Museu do Cante, está a mortalidade provocada pela pandemia em algumas aldeias do Alentejo, “onde havia dois ou três grupos” corais, mas também onde, devido à covid-19, “morreram umas 40 pessoas”. “Muitos grupos corais estão envelhecidos, é provável que o rombo seja muito grande”, afirmou o antropólogo.
E, além das possíveis baixas provocadas pelo coronavírus SARS-CoV-2 nos grupos corais, há que contar também com outro fator: “As pessoas têm medo” de voltar a juntar-se, frisou. “O cante é coletivo. Não dá para estar um aqui e o outro a dois metros. Os grupos corais vivem dos convites, dos convívios e o que noto é o medo. As pessoas não se querem juntar”, concluiu Lima.
O presidente da Câmara de Serpa, Tomé Pires, admitiu que o cante “é indissociável do convívio” e que, se as pessoas não se podem juntar por causa da pandemia, “fica mais difícil” os grupos prosseguirem a sua atividade.
No entanto, Tomé Pires afiançou à Lusa que “a maioria” dos grupos corais de cante alentejano está “com vontade de voltar a ensaiar e a cantar”, o que deverá ser feito “conforme as condições assim o permitam”. “Poderá haver alguns grupos corais com dificuldades, mas temos tentado acompanhar e vamos continuar a fazer um contacto telefónico, praticamente todos os meses, com todos os grupos corais”, disse.
Tomé Pires apontou ainda que está em preparação uma avaliação do impacto a curto prazo da pandemia da covid-19 no cante, “quando baixar a poeira”. Essa avaliação, acrescentou Paulo Lima, poderá começar a ser feita já “em outubro”, quando pretende promover um grande encontro de grupos corais e de bandas filarmónicas, das quais está também a preparar a candidatura a Património da Humanidade, mas “o panorama não é bom, especialmente para o cante”.