Entre OE 2022 e autárquicas, eutanásia fica adiada para o próximo ano
PARLAMENTO Eleições autárquicas e agenda parlamentar no último trimestre, com o Orçamento do Estado para 2022, travam aprovação final da nova lei ainda este ano.
Alegalização da eutanásia arrisca tornar-se num processo legislativo que cobrirá quase toda a presente legislatura. Tendo-se iniciado logo em 25 de outubro de 2019, escassas três semanas após as eleições legislativas desse ano, com a apresentação de um projeto do Bloco de Esquerda – a que se seguiriam outros quatro, do PAN, PS, IL e PEV – tudo aponta, agora, para que só volte a haver uma votação final em 2022.
Em causa está adequar o diploma ao chumbo decretado pelo Tribunal Constitucional (TC) em março passado em março passado. Os juízes – que analisaram a lei a pedido do Presidente da República – consideraram, por exemplo, que o conceito de “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”, como condição de acesso a uma morte assistida, “não permite [...] delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado”.
No seu pedido de fiscalização da lei, aprovada no Parlamento em janeiro deste ano, Marcelo Rebelo de Sousa disse, precisamente, que um dos motivos para recorrer ao TC foi o facto de, no seu entender, o diploma conter uma “forte dimensão de subjetividade”, nomeadamente no conceito de “sofrimento”: “Resulta pouco claro como deve ser mensurado esse sofrimento: se da perspetiva exclusiva do doente, se da avaliação que dela faz o médico”. E, “em qualquer caso, um conceito com este grau de indeterminação não parece conformar-se com as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição”.
Com a decisão do TC, o diploma regressou ao Parlamento. Na comissão de Saúde recomeçaram os trabalhos para adaptar o articulado aos reparos constitucionais. Esse trabalho tem sido coordenado pela deputada do PS Isabel Moreira. Até ao início das férias parlamentares de verão não foi possível agendar o regresso do diploma ao plenário para efeitos de nova votação final.
Além do mais, na cúpula do PS há quem ache que é um erro recolocar a eutanásia na agenda quando o país se confronta com a pandemia de covid-19 (por coincidência, o diploma depois chumbado no TC foi aprovado na AR em 29 de janeiro, o dia mais assassino da pandemia em Portugal, quando se registaram 303 mortes em apenas 24 horas).
O Parlamento retomará os trabalhos em setembro. Mas fontes parlamentares socialistas ontem ouvidas pelo DN afirmam, agora, que dificilmente haverá condições para o agendamento de uma votação final no último trimestre do ano.
Por um lado, até 26 de setembro o país estará às voltas, politicamente, com as eleições autárquicas. E depois começará, decorrendo até final de novembro, a discussão e votação do Orçamento do Estado para 2022, um processo legislativo que não admite a discussão de outros temas.
Entretanto, há outra agravante. O TC está atualmente com quatro juízes a menos (em 13), porque terminaram os respetivos mandatos. Os seus substitutos terão de ser eleitos no Parlamento mas a maioria exigível implica dois terços, ou seja, um acordo entre o PS e o PSD. Já estiveram marcadas eleições mas foram adiadas.
Sendo possível que o PR recorra de novo ao TC depois de uma nova lei aprovada, os partidos não querem votações finais antes de o elenco de juízes estar completo. E tudo isto atira a votação final de uma nova lei para 2022.