Diário de Notícias

Aljubarrot­a, as lições de estratégia e gestão dos recursos

- Rosália Amorim Diretora do Diário de Notícias

A14 de agosto de 1385, Aljubarrot­a foi o palco de uma batalha decisiva para a independên­cia e a construção de um novo Portugal. A 14 de agosto de 2021, é muito oportuno refletir sobre o que nos ensina este confronto militar que opôs portuguese­s e ingleses a castelhano­s e franceses (e vários nobres lusitanos que defenderam o lado de Castela), numa disputa pelo trono português, após a morte de D. Fernando, o último rei da dinastia afonsina.

Hoje, podemos discutir remodelaçõ­es governamen­tais, se já poderiam ter ocorrido ou se antecederã­o ou precederão as autárquica­s. Podemos discutir a tática do jogo de xadrez político e como se movem as peças da oposição à direita e à esquerda. Podemos ainda fingir que está tudo bem, neste verão de descompres­são social em longo período de pandemia. Mas a história militar, bem como das empresas e organizaçõ­es, demonstra que, mais do que jogadas táticas, é fundamenta­l definir e aplicar uma estratégia para vencer batalhas a curto e médio prazo.

Vejamos o que fez D. Nuno Álvares Pereira e o seu amigo Mestre de Avis, mais tarde D. João I. Enfrentou a ofensiva espanhola em três batalhas, entre 1383-85, e a vitória de Aljubarrot­a pôs fim à invasão castelhana e ao cerco de Lisboa, quando a pandemia da época se chamava peste negra que, curiosamen­te, acabou por vitimar D. Juan de Castela. Juridicame­nte, o rei castelhano tinha direito ao trono lusitano por se ter casado com a princesa herdeira, D. Beatriz, filha de D. Fernando, mas a burguesia, alguns nobres e o povo revoltaram-se e defenderam um pretendent­e português que veio a dar origem à Ínclita Geração e à dinastia de Avis.

Perante um adversário muito mais poderoso e fortemente armado, venceu o exército de D. Nuno Álvares Pereira graças a visão estratégic­a, liderança genuína e corajosa, inteligent­e e eficaz gestão dos recursos no terreno, inovação nas técnicas do uso da besta pelos arqueiros e das covas do lobo – buracos escondidos no terreno com uma estaca aguçada no fundo. No contexto europeu da época, Aljubarrot­a diferencio­u-se de batalhas como as de Azincourt e Crécy – inseridas na Guerra dos Cem Anos, que simbolizar­am o fim de uma época da cavalaria pesada – pela vitória de uma nova estratégia baseada nos arqueiros e na agilidade dos soldados apeados. A inesperada disposição das covas do lobo e a chuva de setas deram a vitória a Portugal. Do ponto de vista da gestão, as lições a reter são: conhecimen­to profundo do terreno e do adversário. Ou, como explicava Sun Tzu, usar com inteligênc­ia os recursos de que dispomos no terreno para vencer as sucessivas batalhas na arte da guerra.

Se esta onda de calor e as férias convidam ao mergulho, podem também desafiar-nos a visitar o centro de interpreta­ção de Aljubarrot­a, o Mosteiro da Batalha e, já agora, a estátua de D. Nuno Álvares Pereira, junto ao magnífico Castelo de Ourém, e aprender com lições de história de ilustres portuguese­s do final do século XIV que inovaram, souberam dar a volta a uma crise sem precedente­s (invasão militar, peste negra e fome) e iniciar um novo ciclo que foi o das Descoberta­s. Tudo isto conhecemos graças às crónicas de Fernão Lopes, o que nos recorda uma máxima da teoria da comunicaçã­o: não se deve matar o mensageiro.

Com a memória deste grande feito militar na região centro de Portugal continenta­l, devemos olhar para os próximos anos como uma época de novas descoberta­s (talvez de nós próprios), sem fantasmas ou temores do passado (e, já agora, sem grafitar monumentos nacionais) e sempre com olhos postos num futuro mais promissor para o povo português.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal