POLÍTICA
de origem francesa, tendo por referência frequente o conde Arthur de Gobineau (1816-82) conhecido como o moderno criador do tema do racismo, quando sublinhou a relação entre o notável avanço europeu da tecnologia com efeitos críticos na submissão dos inocentes africanos pelos europeus colonizadores.
Sendo um interessado estudioso das evidências antropológicas, com atração pelas árabes, identificou três raças: branca, amarela e preta, notando que usar oportunidade de atacar as ambições e a luxúria dos ocidentais colonizadores, enfraquecia o credo dos valores da primeira. No século sem bússola em que nos encontramos, a intervenção firme e clara da ONU, sem contradições conhecidas, foi que o seu programa legal, humanista, de paz e cooperação global, não recebeu a participação suficiente quando enfrentou a tragédia da guerra de 1939-45, que foi posta em vigor.
Uma das consequências gravosas foi que contra o racismo não recebeu apoios doutrinais ou jurídicos. São variadas, no tempo e no espaço, as questões suscitadas pelo encontro de etnias diferentes, e talvez no que diz respeito às colonizações possa ser recordada a Conferência de Berlim, que se iniciou em 15 de novembro de 1884, e teve final normativo no Acordo Geral de 26 de fevereiro de 1885. Não se tratava ainda dos direitos das populações a colonizar, com definição de uma facilitada ocupação, mas antes dos direitos das soberanias que assumiam a política de ocupação colonial. Entre os graves problemas que as identidades raciais criadas causaram na relação das populações com os colonizadores, destaca-se a complexa mitologia que a questão suscitou.
Talvez se possam indicar os mais relacionados problemas raciais de soberanias, lembrando o mito judaico que levou a crueldades diferentes sobretudo com o nazismo, existindo o mito dos negros, o mito dos mestiços, o mito da raça ariana. As causalidades políticas foram múltiplas, e a frequente negação do direito natural, abrindo caminho ao colonialismo mantendo alheios mestres da intervenção universitária da época em que se lançou a ocidentalização. Não deixou seguramente de ser avaliada em relação aos valores culturais e mesmo religiosos, mas não conseguiram evitar sempre que os factos transformassem os preceitos.
É muito importante para a compreensão da mudança dos preceitos a descrição do encontro que Diogo da Azambuja pediu ao chefe gentílico Casamansa transmitindo a cedência que D. João II lhe fazia para ali construir o castelo que depois se chamou São Jorge da Mina, tendo presente as boas relações existentes, e com o intuito de também ajudar a salvar a alma dele, Casamansa, e dos seus, fazendo conhecer Deus que “fizera o Céu, o Sol, a Lua e a Terra. O chefe gentílico respondeu que tinha de agradecer a intenção, mas que isso, por conselho ao bem da paz, e a muita prestação que ele desejava ter com todos os naturais do reino que àquele porto viessem… deixassem correr o resgate no modo em que estava”.
A opinião de Casamansa foi acompanhada, sem conhecimento recíproco, pelo ensino dos juristas e teólogos, acolhido na recente obra intitulada Escola Ibérica de la Paz 1511-1694 (Universidade de Cantábria, 2014), sendo o humanismo secundarizado até à utopia, mal respeitada, da ONU, nos inquietantes dias de hoje. O drama deste frequente conflito foi esclarecido por Richmon, que salienta que “a mobilidade social é muito difícil quando o estatuto visível da estrutura social é uma maior ou menor característica racial permanente, tal como a cor da pele”. Por isso, não está suficientemente apagado o facto, ou a memória dele, não obstante os paradigmas mais gerais do comportamento discriminatório terem sido enfrentados pela UNESCO, querendo respeito efetivo pela igualdade de direitos. Sobretudo os mitos, judaico, do negro, do mestiço, da raça ariana ou nórdica, obrigam a uma avaliação permanente da relação entre o direito e os comportamentos sociais.
Trata-se sempre, como insiste Arendt, de conseguir impor a verdade no discurso político, mas sempre lembrando que a passagem do tempo vai desenvolver outras experiências, de modo que o presente não acerta no futuro. O que aconselha a receber o passado sem benefício de inventário, apoiado por Weber lembrando que todo o saber será contestado.
A prudente resposta de Casamansa deixou boa lembrança sobre a prudência, sobretudo na falta de experiência. Que neste século sem bússola não ilumina se haverá paz e quando, mesmo sabendo que poderemos criar o legado que receberá a geração com que não viveremos. A resposta de Casamansa merece ser salvaguardada para inspirar a necessária prudência com que cada geração assume o futuro.