Emigrantes emocionados no regresso a Fátima
Os números finais do santuário revelam que as celebrações do 13 de agosto não chegaram a esgotar a lotação autorizada de 15 mil pessoas. Mas não faltou emoção no regresso dos emigrantes.
“Custou-me muito não vir no ano passado. Nem imagina. Por isso foi como se chegássemos aqui pela primeira vez”, conta Olívia Rabaça, emigrante na Alemanha, em Munique, há 25 anos. Em dezembro, ela e o marido, Carlos, serão avós. E por isso neste ano têm mais alguém para incluir nas orações.
Quando o cardeal Jean-Claude Cardinal Hollerich, arcebispo do Luxemburgo – que presidia à peregrinação internacional aniversária – enalteceu o papel dos emigrantes (e dos refugiados), o grupo que vinha de Amares, Braga, onde goza férias por estes dias, não conteve a emoção. Esta sexta-feira 13 foi de sorte para os muitos emigrantes que regressaram agora ao Santuário de Fátima, depois de no ano passado a maioria não ter vindo sequer a Portugal, por causa da pandemia e das regras de vários países, que obrigavam a quarentena.
À frente do grupo estava José Paulo Peixoto, 50 anos, 32 cumpridos no Luxemburgo, para onde emigrou mal fez 18 anos. Segura orgulhosamente a bandeira luxemburguesa, a poucos metros do corredor central do Santuário de Fátima, onde acabou de passar a imagem de Nossa Senhora, na procissão da entrada. Chegou na véspera, acompanhado da mulher, Olívia Brandão, e dos amigos Maria da Conceição e Delfim Martins. O grupo encontra-se regularmente no Luxemburgo, onde todos são voluntários na missão católica. José tem uma responsabilidade maior: é maestro do coral da igreja, serviço a que se dedica ainda mais desde que um acidente de trabalho na construção civil o deixou na reforma. Em Fátima, o grupo esquece agora todos os males. “No ano passado não pudemos vir, por causa da pandemia, mas neste ano organizámos tudo para isso. Ainda por cima, quando soubemos que vinha o cardeal Jean-Claude Hollerich, mais contentes ficámos”, conta ao DN José Peixoto, que na véspera já teve oportunidade de o cumprimentar. Diz que tem sempre muito para agradecer e para pedir, em nome dos (três) filhos, dois adultos e um adolescente, a quem conseguiu passar “toda a fé em Nossa Senhora”.
E é para os emigrantes como ele que fala o arcebispo luxemburguês, durante a homilia. “Gosto muito de ouvir dizer sobre mim: o senhor é o ‘nosso bispo’! E de facto, sendo bispo de todos, sou também bispo dos portugueses e de outros migrantes que compõem 48% da população do meu país. Somos um laboratório de comunhão e interculturalidade”, afirmou o arcebispo. Depois dirigiu-se também aos refugiados: “Eu digo-vos ‘bem-haja’, ‘muito obrigado’ pelo vosso serviço ao bem comum da sociedade e da igreja”, num tempo em que lhe parece que a Europa “vive longe de Deus, esqueceu-O! Com o vosso espírito de serviço, com a vossa fé e vossa religiosidade procurai continuar a ajudar os países que vos acolhem para viver, a não perderem a esperança”, afirmou o arcebispo.
Bandeiras internacionais voltam a agitar-se
No ano em que as bandeiras internacionais voltaram a agitar-se no recinto, o Santuário de Fátima recebeu apenas três grupos organizados, longe das centenas que habitualmente coloriam o espaço, antes da pandemia. Perto de José Peixoto está um grupo de mulheres cabo-verdianas residente em Portugal. Virgínia Dias e as amigas Gabriela, Zany, Alda e Isabel vieram da paróquia de Santa Cecília, na Amora (Seixal) para retomar um hábito antigo, este de participar na Peregrinação Internacional Aniversária. Vestem a rigor, como na ilha de Santiago, e vieram acompanhadas de dois rapazes que, por esta altura, já se perfilam para segurar na imagem de Nossa Senhora.
O grupo faz-se acompanhar de um pequeno saco de trigo, que não tarda será oferecido ao Santuário. O gesto acontece desde 13 de agosto de 1940 “quando um grupo de jovens da Juventude Agrária Católica, de 17 paróquias da diocese de Leiria, ofereceu 30 alqueires de trigo, destinados ao fabrico de hóstias para consumo no Santuário de Fátima”, tal como refere o santuário.
“Desde aquele ano, os peregrinos, já não só de Leiria mas também de outras dioceses do país, e até do estrangeiro, têm vindo a dar continuidade, ano após ano, a este ofertório”, refere a reitoria do santuário. No ano passado foram oferecidos 4,973 quilos de trigo, e mais de 504 de farinha, utilizados para as hóstias, distribuídas durante as 2784 missas celebradas ao longo de 2020.
À hora em que o trigo é entregue, em pleno ofertório, Olívia e Carlos Rabaça pedem proteção para a família e amigos. “Custou-me muito não vir no ano passado. Nem imagina. Por isso foi como se chegássemos aqui pela primeira vez”, conta ela, emigrante na Alemanha, em Munique, há 25 anos. Em dezembro serão avós. E por isso neste ano têm mais alguém para incluir nas orações, “com a bênção do parto a estar prevista para o dia 24 de dezembro”. O casal abriga-se do sol que ameaça ser cada vez mais forte, durante a celebração. Olívia não dispensa um panamá branco com as letras azuis, Fátima, e ainda um guarda-chuva repleto de imagens do santuário. Entretanto compraram terços, colares e pulseiras, tudo alusivo à imagem de Nossa Senhora, e que levarão na bagagem de regresso à Alemanha, no final do mês. Por ora, permanecem em Fátima até domingo, quando termina a Semana Nacional das Migrações.
No início da semana o santuário anunciara a lotação de 15 mil pessoas no recinto, estipulada pela DGS, em respeito pelas condições sanitárias impostas pela pandemia. Mas o facto de não existir apoio no caminho para os peregrinos que, habitualmente, faziam o caminho a
pé, afastou a quase totalidade dos que optavam por essa via. Ao final das celebrações, a porta-voz do Santuário de Fátima, Carmo Rodeia, revelou aos jornalistas que o recinto estaria a 90%, o que equivale a cerca de 13 mil pessoas em simultâneo.
Porém, é neste fim de semana que é esperada a maior afluência, a juntar aos dias seguidos em que o espaço tem vindo a registar filas no tocheiro e “muita gente”, para satisfação de todo o comércio e hotelaria circundantes.
Conhecendo bem a população portuguesa que representa 16% do total de residentes no Luxemburgo, o cardeal Hollerich dirigiu-se várias vezes à comunidade, mas também aos refugiados, com as vossas mãos, trabalho, suor do rosto, inteligência, sacrifício das vossas famílias, tendes ajudado a construir a riqueza económica e cultural dos países que, por esse mundo fora, vos acolhem”, disse. “As comunidades portuguesas são um sinal de esperança para a Igreja de Cristo que peregrina no grão-ducado do Luxemburgo”, considerou, tocando particularmente o grupo de Amares, mas também os milhares que se espalharam pelo recinto, num dia de calor tórrido, numa cidade que regista sempre valores altos de temperatura no verão. A 13 de agosto, os devotos de Nossa Senhora celebram a última aparição, e a única que terá acontecido nosValinhos, e não na Cova da Iria.