Dois graves problemas financeiros levaram Crosby à miséria e subsequente bancarrota nos anos 1980: por um lado foi ingenuamente vigarizado por um contabilista simpático que tratava de todas as suas finanças, por outro, o tremendo deslize de se deixar afun
enorme pressão e expectativa. Segundo Carl Gottlieb, coautor da autobiografia de Crosby Long Time Gone (1988/2007), antes do lançamento do álbum havia já dois milhões de encomendas, configurando o equivalente a um disco de dupla platina!
Na época era habitual estes jovens músicos, na casa dos vintes, ficarem atordoados com as primeiras fortunas que ganhavam e de imediato comprarem carros de alta cilindrada – Crosby refere inicialmente um Porsche, mais tarde um Ferrari, um BMW e ao longo da vida vários Mercedes topo de gama – e em seguida eventualmente uma casa ou mansão. Entre as dispendiosas aquisições compatíveis com o novo estatuto surgiriam também, no caso de Crosby, as motos – teve várias Harley-Davidson e pelo menos uma Triumph –, barcos – o famoso e inspirador veleiro Mayan, de 22,5 metros – e pelo menos dois aviões privativos que o próprio pilotava, como afirma no segundo volume autobiográfico em coautoria com Gottlieb, Since Then (2006). Não se excluem, evidentemente, equipamentos e instrumentos musicais de grande qualidade e prestigiadas marcas, bem como todo o tipo de mordomias nas digressões, nomeadamente hotéis de luxo e limusinas. Descomprometidos e livres, achavam-se hippies, mas viviam como milionários.
Dois graves problemas financeiros levaram Crosby à miséria e subsequente bancarrota nos anos 1980: por um lado foi ingenuamente vigarizado por um contabilista simpático que tratava de todas as suas finanças – e de muitos outros clientes, o que lhe permitia jogar com os dinheiros de uns e de outros dando a todos a ilusão de que havia liquidez – por outro, o tremendo deslize de se deixar afundar no consumo descontrolado de drogas duras. Se o primeiro o deixou com uma gigantesca dívida ao fisco, que andou a pagar durante muitos anos, o segundo levou-o às portas da morte. Foi várias vezes preso, por posse de
FOR FREE David Crosby drogas ilegais e de armas de fogo, por condução irregular e por diversas variações a estes temas, chegando a ser condenado, tornando-se fugitivo e acabando por ver o seu retrato afixado em público como procurado pela justiça.Viria a entregar-se e a cumprir um duríssimo ano de prisão, tendo mais tarde escrito uma carta ao juiz a agradecer a sentença e assumindo que foi graças a ela que conseguiu libertar-se da inexorável degradação em que se encontrava.
Talvez se referisse a esta tenebrosa fase da vida quando em 1997, na cerimónia de indução dos CSN no Rock & Roll Hall of Fame, Crosby afirma com humor: “Para quem já deveria ter morrido há uns quantos anos, estou a safar-me bastante bem.” Ou talvez quisesse antes dizer que poderia já ter morrido umas quantas vezes, mas sobreviveu. Efetivamente, dois anos antes tinha-lhe sido diagnosticada hepatite C e, apesar da baixa probabilidade de
Uma das superbandas de Crosby: CSNY. sobrevivência apontada pelos médicos, acabou por receber um transplante com sucesso; em 1991, com 50 anos, tinha tido um terrível acidente de moto que o deixou com várias fraturas e problemas ortopédicos permanentes, mesmo após múltiplas cirurgias; e em 1987, depois de deixar a prisão, soube que era diabético. Anos mais tarde viria a sofrer graves problemas cardíacos, exigindo novo internamento hospitalar e uma intervenção cirúrgica, mas uma vez mais fintou a morte.
O seu enorme talento e o prazer, tantas vezes reiterado, de fazer música em conjunto, permitiram-lhe sempre, nos bons e nos maus momentos, melhor ou pior, manter a atividade profissional, escrever canções, gravar discos e continuar a fazer concertos e digressões. Mas recentemente surgiu o que qualquer músico mais teme: problemas incapacitantes (no caso, nas articulações dos dedos). No entanto, o otimismo com que aprendeu a encarar as muitas oportunidades que considera que a vida, inexplicavelmente, lhe concedeu, leva o artista a tranquilizar os admiradores desolados, afirmando que continuará a criar música e que tem planos para novos discos.
De facto o seu último álbum a solo, For Free (2021), saiu a escassas semanas de Crosby completar 80 anos, causando estupefação e granjeando excelentes críticas. A sua voz mantém-se com uma qualidade invulgar, tendo em conta a idade e, sobretudo, as décadas de excessos no fio da navalha. E o músico não se entrega a uma triste visão de que lhe resta pouco tempo de vida, mas sim ao entusiasmo de o aproveitar intensamente, o melhor que pode.
Feliz aniversário David Crosby! Que os teus dias continuem cheios de memórias e histórias, harmonias e canções. Por mim, vou continuar a ouvir, com imenso prazer, a tua extensa discografia e as preciosas voices of the angels que ela encerra.