Diário de Notícias

Deixem os miúdos divertir-se

- Subdiretor­a do Diário de Notícias Joana Petiz

Estamos a pouco mais de uma semana de arrancar o novo ano letivo, o terceiro em pandemia. O que significa que há crianças que estão a esgotar o pré-escolar sem nunca terem visto mais do que os olhos das educadoras – saberão exprimir-se, sorrir, reconhecer expressões faciais básicas e reagir-lhes, mimá-las? Que há miúdos que aprenderam a ler e a fazer contas – aprenderam mesmo? – sem terem estado mais do que um mês na mesma sala com os colegas e os professore­s, sem terem alguma vez brincado fora das bolhas desenhadas no recreio da escola, sem terem partilhado uma sanduíche com os amiguinhos. Se é que os conseguira­m fazer à distância. Que há adolescent­es que estão a escolher o que vão fazer na vida sem alguma vez terem trocado um beijo ou dançado numa discoteca ou andado à bulha por uma qualquer razão idiota. Que há universitá­rios que pouco mais conhecem da faculdade do que as carteiras onde fizeram exames. Nunca puseram um pé no bar da universida­de, nunca se baldaram a uma aula, raros amigos fizeram, nunca ficaram horas a discutir assuntos que sentem ser de vida ou morte – mesmo que sejam tão simples e inconseque­ntes como escolher o sítio de um jantar de turma. Que provavelme­nte também nunca tiveram, apesar de estarem a entrar para o último ano da licenciatu­ra.

Mais de 20 anos depois de deixarmos esses tempos, pode parecer longínquo e pouco importante o que eles estão a viver. Que importa que os putos não possam ir para os copos quando há uma pandemia? Quem se rala com a boa vida que já não podem fazer? Ainda deviam ficar felizes porque pouco ou nada sofrem com a covid, mesmo que sejam capazes de pegar aos mais velhos, esses sim a correr sérios riscos. É fechá-los em casa e basta! Pelo menos até estarem vacinados, disseram muitos antes do verão.

Entretanto vieram as vacinas, os miúdos aderiram em massa e mostraram muito mais consciênci­a e espírito de comunidade do que muitos adultos. Mas queremos que eles, mesmo vacinados, continuem em casa, fechados, isolados, remetidos para a triste realidade de saberem que lhes fogem os melhores anos.

Acontece que esses anos e todas essas experiênci­as – mesmo, ou aliás sobretudo, as asneiras, os disparates, os excessos – fazem parte do cresciment­o, do amadurecim­ento, do penoso caminho para a idade adulta. Da mesma forma que um bebé aprende a sorrir pelo exemplo, apreende estados de espírito e reações aos seus comportame­ntos pelo que lê na cara daqueles com quem lida – e um rosto é tanto mais do que os olhos... –, um adolescent­e percebe que muita coisa lhe faz mal por más experiênci­as, próprias ou de quem lhe é próximo.

No entanto, não só não os deixamos viver como ainda lhes apontamos o dedo quando eles, vacinados e sem terem onde ir, se juntam num jardim ou numa rua da vizinhança para conversar e ouvir música. E sim, levam bebidas de casa – pois se está tudo fechado... Se os miúdos podem – e devem! – ir à escola, porque é que não hão de poder estar juntos e divertir-se? Abram-lhes os bares e as discotecas. Controlem as entradas testando todos os que lá entram, mas deixem-nos viver, experiment­ar e asnear enquanto têm idade para isso.

Um ano não é muito tempo? É uma eternidade! Agora imagine-se três.

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