Deixem os miúdos divertir-se
Estamos a pouco mais de uma semana de arrancar o novo ano letivo, o terceiro em pandemia. O que significa que há crianças que estão a esgotar o pré-escolar sem nunca terem visto mais do que os olhos das educadoras – saberão exprimir-se, sorrir, reconhecer expressões faciais básicas e reagir-lhes, mimá-las? Que há miúdos que aprenderam a ler e a fazer contas – aprenderam mesmo? – sem terem estado mais do que um mês na mesma sala com os colegas e os professores, sem terem alguma vez brincado fora das bolhas desenhadas no recreio da escola, sem terem partilhado uma sanduíche com os amiguinhos. Se é que os conseguiram fazer à distância. Que há adolescentes que estão a escolher o que vão fazer na vida sem alguma vez terem trocado um beijo ou dançado numa discoteca ou andado à bulha por uma qualquer razão idiota. Que há universitários que pouco mais conhecem da faculdade do que as carteiras onde fizeram exames. Nunca puseram um pé no bar da universidade, nunca se baldaram a uma aula, raros amigos fizeram, nunca ficaram horas a discutir assuntos que sentem ser de vida ou morte – mesmo que sejam tão simples e inconsequentes como escolher o sítio de um jantar de turma. Que provavelmente também nunca tiveram, apesar de estarem a entrar para o último ano da licenciatura.
Mais de 20 anos depois de deixarmos esses tempos, pode parecer longínquo e pouco importante o que eles estão a viver. Que importa que os putos não possam ir para os copos quando há uma pandemia? Quem se rala com a boa vida que já não podem fazer? Ainda deviam ficar felizes porque pouco ou nada sofrem com a covid, mesmo que sejam capazes de pegar aos mais velhos, esses sim a correr sérios riscos. É fechá-los em casa e basta! Pelo menos até estarem vacinados, disseram muitos antes do verão.
Entretanto vieram as vacinas, os miúdos aderiram em massa e mostraram muito mais consciência e espírito de comunidade do que muitos adultos. Mas queremos que eles, mesmo vacinados, continuem em casa, fechados, isolados, remetidos para a triste realidade de saberem que lhes fogem os melhores anos.
Acontece que esses anos e todas essas experiências – mesmo, ou aliás sobretudo, as asneiras, os disparates, os excessos – fazem parte do crescimento, do amadurecimento, do penoso caminho para a idade adulta. Da mesma forma que um bebé aprende a sorrir pelo exemplo, apreende estados de espírito e reações aos seus comportamentos pelo que lê na cara daqueles com quem lida – e um rosto é tanto mais do que os olhos... –, um adolescente percebe que muita coisa lhe faz mal por más experiências, próprias ou de quem lhe é próximo.
No entanto, não só não os deixamos viver como ainda lhes apontamos o dedo quando eles, vacinados e sem terem onde ir, se juntam num jardim ou numa rua da vizinhança para conversar e ouvir música. E sim, levam bebidas de casa – pois se está tudo fechado... Se os miúdos podem – e devem! – ir à escola, porque é que não hão de poder estar juntos e divertir-se? Abram-lhes os bares e as discotecas. Controlem as entradas testando todos os que lá entram, mas deixem-nos viver, experimentar e asnear enquanto têm idade para isso.
Um ano não é muito tempo? É uma eternidade! Agora imagine-se três.