Rodrigo Saraiva
Um xerife do esbulho fiscal
Portugal perde competitividade fiscal no confronto com os seus parceiros europeus, muito mais capazes de conquistar o interesse de empresas (e o respetivo investimento) e dos nómadas digitais.
Ao ler uma das últimas crónicas de Daniel Oliveira, “Robin dos Bosques de pernas para o ar”, lembrei-me da comédia de Mel Brooks Robin Hood herói em collant”. Comparar Daniel a Brooks será um inevitável elogio ao primeiro, mas, como Mel Brooks é um humorista assumido, a comparação é naturalmente anedótica. Os ingredientes no desenvolvimento da narrativa são os mesmos. A caricatura, as comparações a martelo, a conveniente utilização de factos e a omissão de outros.
Não fugindo ao mito de Robin Hood, Daniel parece mais uma imitação contemporânea do xerife de Nottingham. Crescemos a ouvir a história de Robin dos Bosques como alguém que retirava aos ricos para dar aos pobres, quando na verdade ele e os seus companheiros lutavam contra a cobrança excessiva de taxas, para devolver o dinheiro aos contribuintes, que mais sofriam com os raides dos saqueadores, travestidos de cobradores de impostos.
Daniel faz parte do coro que perante uma proposta liberal logo grita e esbraceja: “Vai reduzir receitas do Orçamento do Estado!” (passando logo, num salto quântico, para os ataques estapafúrdios de “querem acabar com a Saúde e Educação”), mas quando alguém promete mais gratuitidade, mais subsídios, mais contratações ou qualquer aumento de despesa, ele e outros ficam caladinhos e não perguntam que mais impostos serão aumentados. Daniel comporta-se mais como um xerife do esbulho fiscal.
Daniel também volta a demonstrar que não entende, ou não quer entender, que a proposta de flat tax, além de reduzir os impostos para a população em geral, tem outras duas vantagens: a da simplificação (acabando com milhares de erros e reclamações e reduzindo milhares de horas de contribuintes, contabilistas e funcionários tributários, com a devida eficácia nas contas públicas e privadas) e a retenção de jovem talento em Portugal (eliminando a carga fiscal como um dos motivos mais importantes da dificuldade da progressão salarial). Pensando como xerife, Daniel não se apercebe da insanável contradição que é o seu aplauso ao PS quando propõe descontos fiscais aos jovens que queiram regressar a Portugal, mas grita aqui d’el-rei se os liberais quiserem desencorajá-los de sair do país com novas medidas de redução fiscal.
E fala de muitos países, mas ignora a realidade nacional. Portugal perde competitividade fiscal no confronto com os seus parceiros europeus, muito mais capazes de conquistar o interesse de empresas (e o respetivo investimento) e dos nómadas digitais. Estes continuam a escolher países com sistemas fiscais menos onerosos e complexos. E a fazer investimentos, poupanças e consumos, com as respetivas receitas fiscais geradas, nesses países, que ganham com isso, enquanto Portugal permanece estagnado.
Outra omissão flagrante, num texto tão extenso e cheios de hiperligações, é a não referência e incapacidade para entender que a proposta apresentada pelo Iniciativa Liberal no Parlamento é gradualista, o que se inscreve na matriz reformista dos liberais. Igualmente bem evidente na defesa da isenção de base que o partido defende. Algo que garante a constitucionalidade pelo efeito de progressividade.
Daniel Oliveira padece de falta de pontaria ao mirar outros países, revelando-se também nisto mais semelhante ao xerife de Nottingham. Na prática, a proposta eleitoral do IL tem dois escalões e a parlamentar três. Ao tentar colar o IL à Hungria, Daniel demonstra vocação para a arte performativa, onde mistura, ele sim, a mentira, o populismo e a demagogia.