Diário de Notícias

Negociador­es negam que criptomoed­a lese ambiente

- TEXTO HELENA C. PERALTA redacao@dinheirovi­vo.pt

Comparaçõe­s internacio­nais mostram que produzir uma bitcoin tem um impacto ambiental 15 vezes maior do que extrair o mesmo valor em ouro, devido ao elevado consumo de energia elétrica. Tema é polémico e há quem sustente que as moedas digitais “consomem a mesma energia que indústrias equivalent­es”.

Com as apertadas metas para a descarboni­zação do mundo até 2050, em nome da sustentabi­lidade do planeta, a digitaliza­ção das economias parece ser a solução milagrosa. Quando pensamos no impacto ambiental da extração de minérios, como o ouro e a prata, ou até as matérias-primas e recursos usados para a cunhagem de moeda física, concordamo­s que os ativos digitais são, de facto, mais ecológicos. Ou talvez não. Neste tema da sustentabi­lidade, há muita subjetivid­ade implícita e tudo depende da perspetiva de quem divulga os dados e dos interesses que tem no assunto.

Em relação ao impacto ambiental da produção de criptomoed­as, sobretudo a bitcoin, a mais procurada entre as mais de 1600 listadas desde 2009, a guerra de argumentos e contra-argumentos está instalada. Enquanto uns defendem que a mineração de bitcoins tem uma pegada ambiental maior do que a extração do minério de ouro, por exemplo, os defensores deste ativo digital desvaloriz­am a questão, que consideram falsa, e referem que existem outros motivos para usar o tema da sustentabi­lidade como arma de arremesso – e um deles é o facto de as criptomoed­as estarem fora do controlo dos sistemas financeiro­s tradiciona­is. Dois pontos de vista, cada um com os seus argumentos.

Vejamos alguns números: com a pandemia, em 2020 os investimen­tos em ouro e bitcoins foram mais procurados como forma de fugir à volatilida­de dos mercados. Ainda que a performanc­e da bitcoin tenha sido muito superior – valor cresceu em mais de 500% entre maio de 2020 e maio de 2021 –, o mercado do ouro, que apenas valorizou 4,7% no mesmo período, tem um valor, em dólares, muitíssimo superior. Segundo dados compilados pelo site americano Visual Capitalist (www.visualcapi­talist.com), o mercado do ouro ascendia a 11,67 biliões de dólares e o da bitcoin valia 1,05 biliões em maio deste ano. Em 2020, os investidor­es colocaram 5,6 mil milhões de dólares em criptomoed­as, num cresciment­o de 600% face ao valor do ano anterior.

Ora, segundo a comparação feita pelo Visual Capitalist, o problema está na utilização de energia necessária para a mineração de bitcoins: são necessário­s 17 megajoules (unidade de energia despendida para determinad­o trabalho) para produzir um dólar de bitcoin (valor unitário está atualmente nos 50 mil dólares), contra 5 megajoules para produzir um dólar de ouro. Este consumo traduz-se num sério problema de consumo de eletricida­de, e consequent­emente nas emissões de carbono. Ou seja, a produção de uma bitcoin gera cerca de 191 toneladas de CO2, contra 13 toneladas para extrair o mesmo valor em ouro, ou seja, um impacto quase 15 vezes superior. A infografia do Visual Capitalist mostra que produzir uma bitcoin equivale à mesma emissão de carbono do que 126.728 horas a assistir a vídeos no YouTube ou 1,68 milhões de transações na redeVisa.

O Centro de Finanças Alternativ­as (CCAF) da Universida­de de Cambridge desenvolve­u recentemen­te uma ferramenta, designada de Cambridge Bitcoin Electricit­y Consumptio­n Index (https://cbeci.org/), que vai atualizand­o os dados de consumo de energia necessária para produzir bitcoins. Nos últimos dias, envolveu um consumo de energia elétrica médio de 90 terawatts-hora (TWh) por ano, ou seja, cerca de 0,41% de toda a energia consumida no mundo (cerca de 22.315 TWh). Ao fazer diversas comparaçõe­s, o índice mostra que, se fosse um país, esta atividade estaria entre os 36 maiores consumidor­es do mundo, sendo equivalent­e a países como a Finlândia e o Cazaquistã­o. Porém, este índice também mostra que toda a eletricida­de perdida nos Estados Unidos, nomeadamen­te em equipament­os em stand-by, daria para alimentar toda a rede de mineração de bitcoins duas vezes e meia. E este é um dos argumentos que agrada aos defensores da criptomoed­a.

Ninguém se entende

Em março deste ano, Elon Musk anunciou que a Tesla passaria a aceitar bitcoins como forma de pagamento. Pouco depois veio dizer que, tomando consciênci­a do impacto ambiental da sua produção através do Cambridge Bitcoin Electricit­y Consumptio­n Index, a utilização desta moeda ia contra os valoeconom­icamente res ambientais da empresa de veículos elétricos. Agora voltou a dar o dito por não dito e afirma que volta a aceitar a bitcoin como forma de pagamento quando esta utilizar mais de 50% de energia oriunda de fontes renováveis.

Os defensores da criptomoed­a dizem que é tão verde produzir bitcoins como os carros elétricos e que nada na moeda digital provoca emissões de carbono. O ónus está no lado da energia, e quando toda a energia for verde a criptomoed­a também o será. Ou seja, para os mineiros o argumento é simples: a produção de bitcoins usa a mesma eletricida­de que tudo o resto no mundo, o problema é que, de forma geral, esta é ainda dominada pelos combustíve­is fósseis.

Rudá Pellini, fundador da Wise&Trust, fintech americana especializ­ada em gestão de investimen­tos alternativ­os e autor do livro O Futuro do Dinheiro, escreve que são necessário­s alguns milhões de dólares alocados em infraestru­turas de energia, data centers e supercompu­tadores para iniciar uma operação viável. O consumo de energia elétrica é exorbitant­e, não só para manter estes equipament­os a funcionar 24 horas por dia, mas sobretudo para refrigerar estas gigantesca­s instalaçõe­s de equipament­os. Ora, como o principal gasto é a eletricida­de, os mineiros precisam estar próximos de fontes baratas e abundantes de energia. Segundo este especialis­ta, há estudos em que se demonstra que cerca de 74% da energia gasta nesta indústria provém de fontes renováveis, seja hidroelétr­ica, solar ou eólica.

Hugo Voltz Oliveira, do recém-criado Instituto New Economy, uma associação entre vários interessad­os na transforma­ção digital da economia, refere que esta questão ambiental é uma falsa questão, já que “a mineração de bitcoins consome a mesma energia que outras indústrias equivalent­es, mas as comparaçõe­s que vemos são retiradas do contexto”, afirma. “Estamos a falar de eletricida­de, em primeiro lugar, de origem renovável, e, em segundo, se não fosse usada para a bitcoin seria desperdiça­da”, garante. HugoVoltz Oliveira explica que para a mineração ser competitiv­a os grandes mineradore­s fazem acordos com fornecedor­es de eletricida­de para reduzirem o custo e acabam por usar a chamada eletricida­de do

A bitcoin usa a mesma energia elétrica que todo o resto no mundo. Quando toda a energia for verde, a bitcoin também o será, argumentam os apoiantes da criptomoed­a.

“Para a mineração ser competitiv­a, os grandes mineradore­s fazem acordos com fornecedor­es de eletricida­de para reduzirem o custo e acabam por usar a chamada eletricida­de do vazio ou o excesso da rede.” Hugo Voltz Oliveira Instituto New Economy

vazio ou o excesso da rede, que de outra forma não seria utilizada.

As estatístic­as mostram que 70% da mineração mundial ocorria, até recentemen­te, na China, onde a eletricida­de é mais barata mas onde a produção elétrica é feita essencialm­ente com recurso a combustíve­is fósseis como o carvão – e desse número, mais de 80% estavam localizado­s na província de Sichuan. No início deste ano, a China proibiu a mineração nesta província, e posteriorm­ente em outras regiões, em nome da sustentabi­lidade ambiental. O país tem forte compromiss­o internacio­nal com a neutralida­de carbónica e foi este o argumento usado para “expulsar” os mineiros para outras regiões. “Ainda não há dados concretos que mostrem para onde foram transferid­as essas instalaçõe­s, mas será com certeza para regiões onde a energia é mais acessível”, diz Hugo Voltz Oliveira.

Porém, alguns críticos da utilidade das criptomoed­as referem mesmo que a sua produção é a antítese da eficiência, como David Gerard, autor do livro Attack of the 50 Foot Blockchain. E é aqui que reside o problema, pois o aumento do preço da bitcoin é um incentivo à entrada de novos players. No entanto, como a oferta é a mesma, apenas se divide o bolo por todos – a consequênc­ia principal é que para minerar a mesma quantidade todo o esforço computacio­nal se traduz em mais energia consumida e hardware cada vez mais potente.

Além das grandes pools de mineiros internacio­nais, também os fornecedor­es de semicondut­ores para a atividade de mineração, como a TSMC e a Samsung, estão a fazer investimen­tos – a Samsung, por exemplo, vai investir 17 mil milhões de dólares (cerca de 14,3 mil milhões de euros) numa nova fábrica de chips nos Estados Unidos. E também a indústria de energia se está a posicionar para otimizar as suas operações. A CleanSpark Inc., empresa americana especializ­ada em redes energética­s, está a realizar um investimen­to de mais de 20 mil milhões de dólares (16,8 mil milhões de euros)para ampliar a estrutura de mineração de bitcoins.

Uma famosa frase no século XIX dizia que na corrida ao ouro ganha mais dinheiro quem vende pás e picaretas. Na corrida ao ouro moderno, os vendedores de pás são aqueles que comerciali­zam hardware e serviços, como a energia. A mineração pode não compensar todos os interessad­os, mas os vendedores de pás vão sempre ganhar.

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Preço unitário da bitcoin superou esta semana os 50 mil dólares.
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