Diário de Notícias

“Busca do prestígio” pode ser “doença do espírito”

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Asabedoria e a forma como usa as palavras continuam a surpreende­r-nos. O Papa Francisco fez referência aos três ataques que ocorreram nos últimos dias, em três países, e veio lembrar ao mundo que “a violência é uma derrota para todos”, durante a oração do Angelus, na Praça de São Pedro, noVaticano, em Roma. O Papa referiu-se ao ataque de quarta-feira na cidade norueguesa de Kongsberg, quando um homem armado matou cinco pessoas; ao atentado suicida contra uma mesquita xiita no sul do Afeganistã­o, que causou pelo menos 60 mortes; e ao assassínio do deputado conservado­r britânico David Amess, na sexta-feira, quando estava a reunido com eleitores do seu círculo eleitoral, no leste de Inglaterra.

“Peço, por favor, que abandonemo­s o caminho da violência, que é sempre um perdedor e uma derrota para todos. Lembremo-nos de que violência gera violência”, apelou Francisco, no final da oração. O Santo Padre manifestou “proximidad­e com as famílias das vítimas” e todos os que sofrem.

A propósito da violência, Francisco não precisou de levantar a voz para um outro alerta: “A busca do prestígio pessoal pode tornar-se uma doença do espírito, mesmo disfarçada por detrás de boas intenções”, uma “lógica mundana” de viver, da qual a Igreja Católica, admitiu, não está livre.

“Isto acontece, por exemplo, quando, por detrás do bem que fazemos e pregamos, realmente só procuramos a nós próprios e a nossa afirmação”, afirmou. “Esta lógica mundana de viver todas as coisas, mesmo as relações, para alimentar a nossa ambição, para escalar os degraus do sucesso, para alcançar lugares importante­s, que se vê também na Igreja, opõe-se à de subir acima dos outros, descer do pedestal para os servir, em vez de emergir acima dos outros, imergir-se na vida dos outros”, defendeu.

Na política, na economia e nos negócios, no jornalismo ou no clero é bom nunca perder o rumo de que podemos e devemos, todos, ser a servir os outros. E não servirmo-nos a nós próprios. É uma questão de ética que vai além da religião, seja ela católica ou outra. Ao nível internacio­nal, nacional ou local este é um apelo também de um Papa que conhece o seu povo. Por cá, espera-se que as últimas eleições autárquica­s tenham sido também uma oportunida­de para refrescar o poder local, fazendo abanar os bastiões que há 45 anos não mudavam de cor, os mandatos que se repetiam sempre com as mesmas caras e atitudes, que tantas vezes não evoluíram ao sabor das exigências da nova era. Se há necessidad­e de uma nova forma de fazer política é agora – e muitos dos autarcas do país já tomaram posse ou tomam nesta semana –, numa conjuntura pós-pandémica, em que o velho normal não se coaduna com o novo mundo pelo qual nós sonhámos durante os dias tão duros de confinamen­to e de combate à covid-19.

A reflexão do Papa Francisco sobre a violência e a excessiva ambição pessoal que, mesmo camuflada de boas intenções, pode provocar “a doença do espírito” recorda-nos como idealizámo­s, durante um ano e meio, o novo normal. Mesmo que não vá ficar tudo bem, que não seja uma oportunida­de perdida na cidadania e na política.

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Rosália Amorim Diretora do Diário de Notícias EDITORIAL

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