Diário de Notícias

Mia Hansen-Love “Bergman sobreviver­á à morte do cinema”

CINEMA Fårö, a ilha onde Ingmar Bergman viveu e filmou, é o cenário de A Ilha de Bergman, de Mia Hansen-Love. A cineasta francesa veio a Lisboa e falou com o DN. O filme chega às salas nesta quinta-feira.

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Foi uma das convidadas da Festa do Cinema Francês. Mia Hansen-Love veio a Lisboa promover A Ilha de Bergman, nesta semana nos cinemas. A história é a de um casal de cineastas que chega a Fårö, ilha sueca onde Ingmar Bergman filmou e viveu. Entre o fascínio e a veneração, ela aproveita para escrever um argumento e ele tem direito a uma retrospeti­va da sua obra. O cinema, a vida e as inspiraçõe­s. Um filme que tem também na segunda parte um pouco da materializ­ação daquilo que a realizador­a criou na ilha.

Trata-se do primeiro filme de Love não falado em francês mas não deixa de ser bastante autobiográ­fico, como sempre, aliás.

Na esplanada do São Jorge contou ao DN que a divisão que criou em Cannes era algo deque já estava à espera: “Os meus filmes têm sempre essa qualidade de divisão... Não faço cinema consensual, mas a verdade é que este filme vai ser visto em todo o mundo, ao contrário dos anteriores. Este, claro, tem Bergman no título e as pessoas sacralizam-no, embora eu também... A Ilha de Bergman tem a minha influência, não tenta ir pela via de Ingmar Bergman. A minha maneira de o homenagear é não fazer uma cópia dos filmes dele ou imitar o seu estilo. Este é apenas um filme que lida com pessoas que o admiram.” O casal do filme, interpreta­do por Tim Roth e Vicky Krieps, sente a presença de Bergman nos locais que visita. Um deles até embarca no Safari Bergman, que é uma espécie de turismo cinéfilo para os fãs do génio sueco. Tal safari não é uma invenção, é uma das particular­idades da ilha. Aliás, gostando-se ou não do filme, qualquer fã do cinema de Bergman fica com vontade de rumar até Fårö.

“Julgo que Bergman é eterno. Quando escrevi este filme andava a falar com dois jovens. Dois jovens fãs de Bergman, e eles influencia­ram muito o argumento. Creio que os maiores admiradore­s do seu trabalho são os mais jovens. Há algo no tempo dos seus filmes que atrai. Não estou preocupada se o cinema de Bergman vai sobreviver, ele até sobreviver­á à morte do cinema”, diz a rir e lembra que não é por acaso que a HBO apostou na série Cenas de Um Casamento... Para Mia Hansen-Love, a viagem como fã a Fårö foi o óbvio ponto de inspiração para esta história mas depois há coisas que têm que ver com a sua vida de realizador­a, coisas que estão nas personagen­s do casal de cineastas mas também na personagem feminina que o filme dentro do filme inventa. “O ponto de partida, é verdade, passa sempre pela vida real, mas depois olho para as personagen­s como elementos de ficção. Isso não quer dizer que esteja a trair a verdade, é antes uma reinvenção. De facto, o filme é sobre esse processo da ficção e da realidade. Enfim, quis fazer batota com a minha própria realidade.”

Por fim, é a própria realizador­a quem pede para esclarecer: “Há quem pense que sou crítica com este tipo de turismo cinéfilo que mostro no filme, mas não sou nada. Respeito quem vai em peregrinaç­ão cinéfila à ilha de Fårö e quer ver os locais onde Bergman filmou. Eu própria tinha ido muitas vezes e por ridículo que o Safari Bergman seja, vale a pena. Ao brincar com isso no filme, estou a gozar comigo própria. Como cineasta é muito reconforta­nte saber que há quem viaje para estar em contacto com o cinema de um realizador. As pessoas estão cada vez menos interessad­as na figura do realizador e no cinema em geral.Ver alguém que veio de propósito do Japão para estar perto dos lugares de Bergman é qualquer coisa que me deixa tocada. Não concordo que seja a Disneylând­ia de cinéfilos, por acaso sente-se mesmo a presença de Bergman na ilha. Quando lá se vai percebe-se que é um lugar amaldiçoad­o e isso é tão agradável”.

“A Ilha de Bergman tem a minha influência, não tenta ir pela via de Ingmar Bergman. A minha maneira de o homenagear é não fazer uma cópia dos filmes dele ou imitar o seu estilo”, explica ao DN Mia Hansen-Love.

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A Ilha de Bergman esteve presente na competição do último Festival de Cannes.

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