Durante muito tempo, o ADN não-codificante foi menosprezado e tratado como “lixo”, mas sabe-se hoje que há alterações genéticas associadas a algumas doenças que têm origem nessas regiões.
milhões de euros, é “onde estão essas alterações genéticas”?
“Têm-se feito estudos de associação genética para identificar marcadores no genoma das pessoas que desenvolveram a doença [seja o diabetes de tipo 2 ou o cancro pancreático] e ver quais as semelhanças genéticas entre elas. E quando se começaram a desenvolver esses estudos para ver quais as regiões onde se verificam as alterações genéticas, verificou-se que se encontram muito frequentemente no genoma não-codificante”, explica.
Por isso, o que o investigador do i3S fez foi “tentar perceber se havia regiões funcionalmente homólogas” entre o pâncreas humano e o pâncreas do peixe-zebra onde essas alterações genéticas poderiam estar localizadas e, assim, focou o estudo “em regiões onde poderia haver equivalência de funções no quadro destas patologias”. Focando numa deleção no genoma não-codificante humano associada a uma má funcionalidade do pâncreas (agenesia pancreática, que provoca um pâncreas mais pequeno), a equipa liderada por José Bessa foi “procurar no peixe-zebra uma região que tivesse marcadores epigenéticos equivalentes”. “Induzimos uma deleção nessa região e verificámos que isso aumentava também a possibilidade de um pâncreas mais pequeno no peixe”, sintetiza. Ou seja, mesmo não existindo sequências semelhantes do genoma não-codificante ativas no pâncreas do peixe-zebra e do humano, há sequências que, sendo divergentes, apresentam a mesma funcionalidade.
Um dos grandes mistérios da genética, o verdadeiro papel do ADN não-codificante vai sendo assim desvendado. A presença de variantes em sequências de genoma não-codificante pode, pois, provocar alterações em toda a engenharia genética e interferir no funcionamento de vários órgãos, como verificado neste caso com o pâncreas, contribuindo para o desenvolvimento de doenças como a diabetes tipo 2 – uma das doenças mais comuns da atualidade, afetando mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, um número que se estima vir a triplicar até 2035.
Para José Bessa, “esta publicação é o culminar de vários anos de trabalho em que nos temos centrado, para compreender como o ADN não-codificante controla o funcionamento do pâncreas”, mas poderá ter “um impacto muito profundo também no estudo de outras doenças humanas, pois apresentámos uma nova estratégia para identificar elementos reguladores funcionalmente equivalentes, mas não conservados, entre as diferentes espécies”. “A prova de princípio é transversal e abre portas a estudar com detalhe o impacto das alterações no genoma não-codificante para diversas doenças com componente genética”, refere o cientista.