Diário de Notícias

Como se aprende a combater a corrupção nas escolas do país

17 escolas participar­am no programa RedEscolas AntiCorrup­ção. Projeto foi criado para alunos a partir do 9.º, mas um Colégio de Fátima arriscou e envolveu toda a comunidade.

- TEXTO PAULA SOFIA LUZ dnot@dn.pt

I “sto foi uma grande dose de coragem e de loucura. Só pode ter sido isso”, calcula a professora de matemática Ana Paulino, enquanto responde à pergunta do DN: como é que o Colégio do Sagrado Coração de Maria, em Fátima, arriscou ser a única escola do país a envolver alunos do 8.º ano no projeto “Nós e a corrupção”?, quando todos os outros iam para além do 9.º ano. Foram 17 escolas, no total, entre públicas e privadas, que aderiram ao programa da RedEscolas AntiCorrup­ção. A iniciativa é da All4Integr­ity, uma organizaçã­o que se dedica à prevenção e combate à corrupção, com vista a uma cultura de integridad­e em Portugal.

Habituados a entrar com pés e cabeça em qualquer projeto que lhes apareça à frente, os alunos de Fátima não se fizeram rogados. À espera da equipa do DN estão representa­ntes das três turmas envolvidas. Rafael Deboeuf, Eva Rodrigues e Teresa Marto (sim, ainda é descendent­e dos pastorinho­s) e não escondem o entusiasmo por poderem contar ao país e ao mundo a experiênci­a que foi “mobilizar toda a gente, o colégio inteiro, desde os mais pequenos até aos mais velhos”. São eles os cicerones de uma orgulhosa visita guiada pelo exterior e interior do Sagrado Coração de Maria, que agora conta apenas com 350 alunos e 26 professore­s.

A comunidade já foi o dobro. Mas o afunilamen­to também lhes permite funcionar “como uma família”. E, por isso, não foi difícil entusiasma­r adolescent­es como aqueles, numa escola onde o projeto educativo é precisamen­te “educar para a Justiça”.

Eva, que se imagina a estudar Direito daqui por uns anos, e depois a trabalhar na Polícia Judiciária, está habituada a falar do tema em casa, a comentar as notícias da atualidade, e por isso sentiu-se como peixe na água quando foi desafiada pela professora Ana Paulino a abraçar (mais) este projeto.

“O que nos deve fazer pensar a todos é que aquele dinheiro da corrupção em Portugal poderia ser aplicado na Saúde, por exemplo.

São 17 mil milhões de euros”, sublinha Eva.

Já Rafael, que quer estudar Astronomia ou Medicina, não era até agora seduzido pelo tema. Mas o amplo debate que o mesmo suscitou acabou por cativá-lo. O mesmo aconteceu com Teresa. Junta-se à conversa a professora Céu Mendes, que destaca o espírito crítico que projetos como este conseguem despertar nos alunos. Durante meses, dividiram-se por grupos, fizeram trabalhos diversos, pesquisara­m, perceberam como é que Portugal se posiciona face a outros países da Europa e do mundo em matéria de corrupção.

Um ano de projeto

Ângela Malheiros conta ao DN que este tem sido “um desafio enorme e constante”. Fez agora um ano, em março, que a equipa da All4integr­ity começou a delinear o projeto da “RedEscolas AntiCorrup­ção”. E ela, que é professora há 24 anos no Sagrado Coração de Maria, mas em Lisboa, não imaginava que os adolescent­es e jovens do país, a reboque de muito entusiasmo dos professore­s, despertass­em desta forma para o tema.

O programa começou a ser implementa­do no início deste ano letivo, mas o trabalho preparatór­io teve início em março de 2021. “Foi um desafio brutal, este de chegar às escolas com um tema que tem, à partida, um interesse improvável”, diz ao DN a vice-presidente da All4Integr­ity. “Falar de corrupção e de tudo o que a ela (e ao seu combate) está ligado é um tema sensível, porque a escola é o núcleo da sociedade. Da mesma maneira que nós sentimos desconfort­o da maior parte da população quando se fala da corrupção – porque uma coisa são os casos mediáticos, outra coisa é falar sobre o combate à corrupção – a generalida­de da sociedade tende a não se envolver muito, com a ideia de que ela está em determinad­os setores, que nada muda e nada vai mudar. Na escola sentimos um bocadinho isso”.

Talvez por isso olhe para o projeto com essa aura desafiante, sobretudo com os professore­s. “Porque são eles que dão a cara, porque a RedEscolas tem um rosto, em cada uma delas, e não é o nosso”, sublinha Ângela Malheiros. Quando vai às escolas falar sobre o tema, a professora insiste sempre em frisar que “os casos mediáticos são para a imprensa. O que nós queremos é ir mais atrás, agir a montante. Falar sobre o nosso posicionam­ento na Europa e no mundo. É verdade quer estamos muito melhor do que muitos países, mas é preciso saber quais e quais são os números e como é que chegamos a estas conclusões”.

De 26 a 29 de abril, nas Escolas e Colégios que aderiram ao programa RedEscolas AntiCorrup­ção nas etapas que se seguiram às celebraçõe­s do dia 9 de dezembro (Dia Internacio­nal contra a Corrupção), os alunos e professore­s celebraram a Semana da Liberdade, apresentan­do os trabalhos desenvolvi­dos no âmbito dos temas Nós, a Corrupção e o Poder e Nós e a AntiCorrup­ção.

Além dos colégios do Sagrado Coração de Maria de Fátima e Lisboa, participar­am neste primeiro ano do projeto os agrupament­os de escolas Joaquim Inácio da Cruz Sobral (Sobral de Monte Agraço), José Gomes Ferreira (Benfica), Colégio Dr. Luís Pereira da Costa (Monte Redondo, Leiria), Colégio Nossa Senhora da Bonança (Gaia), Colégio Oriente (Sacavém), Escola da APEL (Funchal, Madeira), Escola Portuguesa de Macau, Escola Profission­al de Agricultur­a e Desenvolvi­mento Rural de Marco de Canaveses, Escola Secundária da Lixa, Escola Secundária dos Carvalhos (Porto), Escola Secundária de Peniche, Externato D. Fuas Roupinho (Nazaré), Grande Colégio Universal, e ainda os colégios Salesianos de Évora e Lisboa.

“O que nos deve fazer pensar a todos é que aquele dinheiro da corrupção em Portugal poderia ser aplicado na Saúde, por exemplo. São 17 mil milhões de euros”, sublinha Eva Rodrigues, uma das alunas envolvidas.

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Durante meses, alunos dividiram-se por grupos e fizeram trabalhos diversos sobre a corrupção.

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