Na Paris cercada de 1870 um batalhão alado ligou a cidade à restante França
No século XIX, a Paris sitiada pelas tropas prussianas, encontrou uma forma de comunicar com a restante França. Ao longo de vários meses um incansável batalhão voou sobre as muralhas da cidade carregado com preciosa informação. Em 1870, a microfotografia entrou na guerra.
Onze de novembro de 1870, Paris asfixia sob o cerco das tropas prussianas que dura há perto de dois meses. A Guerra Franco-Prussiana, iniciada em julho de 1870, opõe Napoleão III de França a Otto von Bismarck da Alemanha. Sitiada, a capital francesa apresenta enormes dificuldades em comunicar com o exterior. Nesse 11 de novembro, o fotógrafo e inventor René Prudent-Patrice Dragon, francês, nascido no ano de 1817 em Aillières-Beauvoir, assinava, com o novo governo, um contrato de defesa nacional para o estabelecimento de uma futura correia de transmissão entre Paris, o resto da França e a restante Europa. Nos meses seguintes, nos termos do acordo firmado, milhares de pombos voariam sobre as linhas inimigas, portadores de microfilmes com despachos oficiais e privados. Antes de alcançarmos o voo dos pombos-correio da Guerra Franco-Prussiana, há que recuar algumas décadas, aos primórdios da fotografia.
Em 1826, o francês Joseph Nicéphore Niépce engendrou um processo anterior ao fotográfico capaz de fixar imagens em chapa. A heliografia deu ao mundo o primeiro retrato, uma feérica paisagem rural, captada a partir da janela da casa de Nicéphore. Ainda na década de 1830, o cenógrafo, pintor e inventor gaulês, Louis Jacques Mandé Daguerre, patenteou o primeiro processo fotográfico, o daguerreótipo. Este seria apresentado publicamente em agosto de 1839, no Instituto de França, e posteriormente vendido ao governo francês.
Do outro lado do Canal da Mancha, em solo inglês, John Benjamin Dancer, inventor de instrumentos científicos, olhou para o potencial do daguerreótipo como meio para preservar dados para memória futura. Ao recorrer a um processo de redução com colódio húmido e socorrendo-se da utilização de um microscópio convertido em câmara fotográfica, Dancer inventou oficialmente a microfotografia. Um microcosmo passou a habitar em daguerreótipos com 3 mm2 de área. A 25 de abril de 1852, Dancer iniciou uma das suas produções mais significativas, com a redução das 680 letras lavradas no epitáfio do físico e inventor inglês William Sturgeon para uma chapa com 4 mm de diâmetro.
Não obstante o potencial apresentado pela microfotografia, um dicionário fotográfico de 1851 encarava-a como um processo “um tanto insignificante e infantil”. Opinião diferente tinha o cientista escocês David Brewster, inventor do caleidoscópio, que via a praticabilidade das imagens microscópicas de Dancer. Uma enciclopédia poderia caber num bolso, augurava Brewster.
Em França, terminados os estudos em química, René Dragon veio a instalar-se na capital onde dirigia sem grande sucesso um estúdio de retrato fotográfico. Os tempos livres, dedicava-os a aperfeiçoar o método desenvolvido por John Benjamin Dancer, nomeadamente suportes menos onerosos do que o microscópio para visualizar as microfotografias. Em 1857, o público francês acolheu com euforia os bijoux photo-microscopiques. Uma lente de estanho adaptada à leitura de microfotografias tinha como suporte artefactos tão diversos como anéis, pegas de marfim, brinquedos de madeira. Um comércio que rapidamente favoreceu a instalação de uma indústria próspera dirigida por Dragon que, na mesma época, desenvolvia uma câmara microfotográfica capaz de produzir 450 exposições numa placa de colódio húmido com poucos milímetros de área. Em 1859, o inventor francês obteve a primeira patente de microfilme da história.
Em 1871, face ao cerco vivido em Paris, Dragon propôs às autoridades a aplicação do seu processo de microfotografia como meio de comunicação de fora para dentro da cidade. Uma operação aérea que envolveria pombos-correio, balões de ar quente e que ganharia um travo a aventura entre novembro de 1870 e janeiro de 1871.
Assinado o contrato de concessão do serviço a Dragon e à sua equipa – e que estipulava 15 francos por cada 1000 caráteres fotografados – houve que levar homens, equipamento e pombos-correio para lá do torniquete exercido pelas forças prussianas.
Dragon, nomeado Chefe do Serviço Postal de Correspondência Fotomicroscópica, saiu de Paris de balão de ar quente a 12 de novembro, rumo à cidade de Tours, onde se estabelecera o governo provisório. O inventor e outros dois homens, assim como centenas de quilos de equipamento e aves, voaram nos balões Niépce e Daguerre, este segundo abatido pelas forças inimigas.
O dissabor atrasaria o início das operações. A 15 de dezembro de 1870, Dragon iniciou a produção de microfilmes endereçados a Paris. As peças com 60 mm2 de área e com o peso de 0,5 g eram enroladas em cilindros de dimensão liliputiana. Cada pombo carregava até 20 cilindros de informação nas penas da cauda. Para evitar perdas, a mesma mensagem era endereçada até 35 vezes. Chegado ao pombal de destino, o animal acionava uma sineta dando nota de nova mensagem. A minúscula missiva seguia o seu caminho para a central telegráfica onde era colocada numa moldura de vidro e projetada através de uma lanterna-mágica (ver caixa), seguida da reprodução gráfica e entrega ao destinatário. Um processo moroso entre emissor e recetor que, nas melhores circunstâncias, se prolongava vários dias, por vezes semanas.
Estima-se que até 28 de janeiro de 1871, data em que o Governo de Defesa Nacional apresentou formalmente a sua rendição frente às autoridades prussianas, perto de 115 000 mensagens microfotografadas cruzaram os céus franceses rumo a Paris.
Dragon, senhor de considerável fortuna, após anos de apresentação dos seus bijoux e microfotografias em feiras internacionais, nomeadamente Paris e Londres, manteve a sua indústria. Em 1871, o inventor e industrial reproduziu 130 400 letras numa microfotografia de 2 mm2. Em 1972, a fábrica com mais de um século, produziu os últimos lotes de bijoux photo-microscopiques recorrendo aos métodos tradicionais. Em 1998, a infraestrutura foi desmantelada.