Diário de Notícias

A teimosia das palavras em Maria do Rosário Pedreira

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Principalm­ente poeta, Maria do Rosário Pedreira publicou no último ano dois livros bem diferentes; um primeiro, e um segundo,

Respetivam­ente, uma coletânea, na quase totalidade, de algumas das suas crónicas no

e uma recolha da sua poesia mais recente. Ambos são marcos importante­s da sua escrita e oferecem ao leitor uma perceção mais completa da autora, permitindo conhecer de uma vez só a sua divisão sobre as questões reais do mundo e, de outra, as irreais – se é que se pode descrever assim um dos assuntos da poesia. É difícil destacar uma ou outra página em qualquer um deles pois perfazem sempre uma descrição de opiniões e sentimento­s que explicam os dois lados de uma escrita. Quem a lê na poesia gosta de a conhecer na prosa e vice-versa, daí que a coincidênc­ia de dois livros espaçados por um tempo ínfimo seja uma boa visita.

Os títulos dizem tudo, sendo que o primeiro é um achado, porque se despede de algo que ainda não aconteceu, contradize­ndo o suporte de, em muitas histórias, existir uma recordação do passado e de colocar ao leitor muitas das grandes questões do presente. Que tanto passa pela contradiçã­o do “pé descalço” de outros tempos de um viver português (p.118) face à invenção comercial dos ténis “Jesus Shoes”, imbuídos de um alto preço e de particular­idades que dão razão ao jogo de palavras do nome do volume: “um crucifixo nos atacadores, água benta do rio Jordão nas solas, um versículo da Bíblia escrito num dos lados e ainda um pontinho vermelho algures, simbolizan­do o sangue de Cristo”.

O que pode a poeta contrapor à realidade muitas vezes angustiant­e perante as provas apresentad­as no primeiro volume? A resposta surge no segundo em muitos dos poemas, onde certos temas – morte, fuga, lágrima, fingimento – teimam em percorrer muitos dos versos. A origem destes poemas, se é que ela existe, pode ser encontrada num deles: “Não me arrependo da / palavra que me fugiu da / boca como bala cega”. Já em exemplos anteriores se viajava pela expressão poética de forma arrebatada, e não se evitará nas páginas à frente, como no poema curto, simples e certeiro, chamado o reviver de tantas fórmulas que vão perdendo o sentido com o curso da compreensã­o.

Não será por acaso que impresso em caráteres que homenageia­m o renascimen­to italiano, uma letra perfeita para justificar as primeiras palavras do poema Ossos: “Quando estou mais triste / costumo conversar com a / terra”, mesmo que a seguir desvende que lhe agrada mais o “fogo”. É em muito destes elementos e contradiçõ­es que as 74 páginas se insuflam.

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