As viúvas da aldeia
Uma mulher contra o patriarcado numa pequena aldeia do Kosovo. É este o retrato no centro de Colmeia, primeira obra de Blerta Basholli, modesta e sem rasgo, que ainda assim conquistou Sundance.
Estão cada vez mais na moda as histórias de mulheres fortes ou que afrontam a ordem misógina de determinadas sociedades. É o bom ar do tempo. Acima de tudo, essas histórias são veículos naturais para realizadoras que se querem lançar no panorama com uma mensagem relevante. Caso de Blerta Basholli, cineasta que foi buscar inspiração para a sua primeira longa-metragem a uma mulher sua conterrânea que se dignou montar um pequeno negócio debaixo dos olhares raivosos dos homens de uma aldeia, depois de esperar anos por notícias do marido, um dos milhares de desaparecidos no conflito do Kosovo, que em 1999 deixou muitas mulheres numa condição incerta de viuvez.
Colmeia centra-se nessa figura feminina real, Fahrije, interpretada por Yllka Gashi, uma atriz de rosto granítico, e com zero de vaidade, que leva o filme na sua direção única: a da autonomia de um grupo de viúvas que vão perdendo o medo do falatório na aldeia, à medida que veem Fahrije ganhar imunidade ao meio patriarcal. Com efeito, é ela quem dá o corpo ao manifesto, começando por se atrever a tirar a carta de condução e, de seguida, recrutando a primeira dessas mulheres para a ajudar a fazer ajvar, uma especiaria dos Balcãs (massa de pimentão), que experimentam pôr à venda nas prateleiras de um supermercado. Por cada passo firme, esta heroína discreta e desenrascada levará com a aversão masculina da vizinhança, que tanto pode ser uma pedra atirada ao vidro do carro, como a vergonha do sogro, que, numa cadeira de rodas, não pode ajudá-la a sustentar a casa, mas também não quer deixá-la prosseguir com esse desígnio.
Se Fahrije faz o que faz para pôr o pão na mesa e dar um futuro aos dois filhos adolescentes, não é menos verdade que antes disso está o seu próprio desejo de tomar as rédeas da sua vida e seguir em frente. Naquele que é o detalhe mais inteligente de Colmeia, vemos como a protagonista é sempre picada pelas abelhas quando vai recolher o mel – algo que, segundo diz, nunca acontecia com o marido, porque esse era o seu domínio. No entanto, o título do filme parece remeter mais para o coletivo de mulheres que se juntam na produção do ajvar à volta dessa abelha-rainha que é Fahrije.
Tudo isto é muito respeitável, e percebe-se porque é que o filme de Basholli despertou as atenções em Sundance, onde venceu os prémios do júri, do público e ainda pela realização (enfim, este último não se compreende lá muito bem). Mas num olhar que extravase o tema e a sinopse, não há nada que o eleve acima de qualquer produção do género. É uma fita esquálida, dramaticamente tépida, sem graça, nem sabor, o que não deixa de ser curioso quando falamos do mel ou da especiaria que vemos ser preparada em algumas cenas.
A realizadora focou-se tanto na “importância de contar esta história” que se esqueceu de lhe dar cor, textura e rasgo, ou o que quer que fosse que desviasse Colmeia dos clichés de um cinema à flor da pele, sem vida suficiente nos corpos que filma com interesse mediano. A captação do mundo destas mulheres é tão plana e vazia de nuances que saber se estamos no Kosovo ou não é relativamente indiferente.