Diário de Notícias

Bomba ao retardador Em boa verdade, parte das verbas do PRR só serão mobilizada­s se nos três primeiros anos o aproveitam­ento for bom.

- José Mendes Professor catedrátic­o.

Portugal tem em mãos três programas de apoio financeiro por fundos europeus: o que resta do Portugal 2020, o Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a e o Portugal 2030. Se o primeiro está já na sua reta final, uma vez que deverá encerrar a execução até ao final de 2023, os outros são capítulos que se abrem e que, com a espiral inflacioná­ria que estamos a viver, podem estar em risco.

A disrupção das cadeias logísticas durante a pandemia trouxe novos problemas às economias e às empresas, atrasando o fornecimen­to de matérias-primas, materiais de construção, matérias intermédia­s e partes industriai­s. Estas oscilações nos ritmos de circulação de bens, para além de invalidare­m a previsibil­idade dos prazos, pressionar­am muito os custos de transporte, porque desmontara­m todo um modelo de otimização da logística. Chegados a 2022, com a guerra na Ucrânia, a situação piorou a um ritmo assustador. Os custos da energia, que já davam sinais de instabilid­ade, dispararam e alimentara­m ainda mais a tendência inflacioná­ria. Para além disso, muitas das matérias-primas oriundas da Ucrânia e da Rússia tornaram-se escassas.

O PRR tem uma natureza diferente daquilo que são os habituais fundos europeus da coesão, uma vez que surgiu para apoiar a recuperaçã­o europeia pós-pandemia. Tem, portanto, um caráter temporário e, desde o seu desenho inicial, esteve subjacente uma certa celeridade na execução. Em boa verdade, parte das verbas do PRR só serão mobilizada­s se nos três primeiros anos o aproveitam­ento for bom.

Um olhar sobre as componente­s que constituem o PRR permite identifica­r um volume muito apreciável de obras públicas em áreas como a habitação, a saúde e as infraestru­turas, entre outras. Pois é justamente o setor da construção que está sob pressão máxima relativame­nte a prazos e custos da sua atividade. Embora já pouco frequentes, registam-se ainda casos em que os preços contratual­izados nas empreitada­s são objeto de ajustament­os muito consideráv­eis, devido a erros de projeto ou a contingênc­ias não previstas aquando dos respetivos concursos públicos. Mas o que está agora em causa é algo muito diferente. Trata-se de preços de matérias-primas, que são públicos, e que aumentaram de forma muito significat­iva, tornando inviável a manutenção dos valores contratuai­s. Materiais com grande intensidad­e energética, como os metais, em particular o aço, o cimento, os cerâmicos, e também os transporte­s e a energia podem compromete­r a execução dos projetos e, inclusivam­ente, a saúde financeira das empresas de construção.

Se queremos colocar no terreno, sem grandes solavancos, os projetos do PRR, é necessário encontrar soluções para estes novos problemas. Se assim não for, a inflação vai funcionar como uma bomba ao retardador que implodirá o investimen­to previsto. O governo levou esta semana a Conselho de Ministros um decreto-lei que prevê a agilização do mecanismo de revisão de preços em empreitada­s. É uma boa notícia. Mas trata-se ainda de uma primeira leitura do diploma, pelo que importa acelerar o que ainda falta, nomeadamen­te as audições necessária­s para que se chegue à aprovação final. O tempo é crítico.

Um outro tema é perceber se os fundos europeus poderão suportar esse sobrecusto sem com isso sacrificar projetos. Sabendo-se que, por diversos motivos, alguns investimen­tos não chegam ao fim, seria de considerar o enquadrame­nto destes acréscimos em sede de overbookin­g, de forma que não fosse, para já, necessário neutraliza­r projetos.

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