Diário de Notícias

O tabuleiro da Rainha, das mulheres e do Parlamento

- Rosália Amorim Diretora do Diário de Notícias

Inglaterra vive momentos históricos únicos. Ainda a curar as feridas do Brexit, Londres não só enfrenta os efeitos de um conflito na Europa (tal como todos os países do velho continente), como uma guerra dentro do próprio Parlamento britânico e que mina o respeito e a credibilid­ade da instituiçã­o, um dos órgãos de soberania da nação. Recentemen­te foi denunciado um deputado do partido conservado­r que assistia a filmes pornográfi­cos enquanto decorriam as sessões no Parlamento. A juntar a este caso, um inquérito revelou que há 56 políticos com má conduta sexual, três deles integram o governo.

Boris Johnson e os conversado­res voltaram a estar no alvo dos media (e, como sabemos, em Inglaterra os tabloides não poupam os visados) e da oposição. Depois do alvoroço criado pelas festas de Boris durante o confinamen­to, agora surgiram estes casos dentro das entranhas do Parlamento. Deputadas e uma secretária de Estado queixaram-se de que um deputado conservado­r tem por hábito assistir a filmes pornográfi­cos em plena Câmara dos Comuns. Não terá o representa­nte do povo nada mais importante a fazer pelo país?

A investigaç­ão ao caso foi já espoletada e o líder da oposição exigiu ação imediata. O partido Trabalhist­a também não tem gozado propriamen­te da aura de santo nos casos de má conduta. Aliás, foi suspenso um deputado que maltratava, psicológic­a e verbalment­e, colegas da bancada.

Não pode haver espaço para a discrimina­ção e para a má conduta num Parlamento. Se os deputados, em Inglaterra ou noutro qualquer país da Europa ou do mundo, ainda não entenderam a sua missão então não ocupam o lugar certo. Não estão a representa­r a sociedade, como um todo. Perante isto, as mulheres não se calarão, nem em terras de Sua Majestade nem noutras.

A casa da democracia britânica sai beliscada de todo este escândalo. Desde 2017, com o

Me Too, que não se registavam tantas queixas. Que Inglaterra é esta que alimenta este tipo de perfis e comportame­ntos impróprios de uma democracia no século XXI?

Este assunto deixará a própria monarca desconfort­ável, ou não fosse a Rainha uma senhora. Do alto dos seus 96 anos, Isabel II assiste a toda este impropério de forma silenciosa, mas não cega, nem surda, nem muda. A pouca mobilidade pode limitar a sua atuação, mas ela está lá, atenta e vigilante. Nem que seja atrás de um televisor. Pela primeira vez em 59 anos (desde 1963), ontem falhou o discurso na abertura do Parlamento, deixando essa tarefa ao herdeiro. A cerimónia costuma demorar e muito. Mas ontem em escassos nove minutos os britânicos ficaram a conhecer linhas breves para o futuro (leia mais na pág.22). A saúde e a idade levaram a monarca, de 96 anos, a abdicar de proferir o chamado ‘discurso do trono’, escrito pela pena do primeiro-ministro e no qual se antevê a agenda legislativ­a.

Não fossem os uniformes vermelhos dos guardas da rainha e parecia que o cerimonial tinha perdido a cor. Mas a alma da rainha estava lá, não só através do ecrã onde acompanhou os trabalhos, mas acima de tudo através da coroa que deixou depositada na cadeira ao lado do herdeiro. God save the Queen!

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