Caso dos refugiados ucranianos transforma-se em caso de polícia Alta-comissária para as migrações, Sónia Pereira, assegurou no Parlamento que a sua organização só teve conhecimento do caso pela imprensa.
Várias audições decorreram ontem no Parlamento, onde o Chega propôs uma comissão de inquérito. PJ fez buscas em Setúbal. Suspeita: “Acesso indevido a dados”.
Ocaso dos refugiados ucranianos alegadamente escrutinados em Setúbal por russos pró-Putin ganhou ontem contornos de caso de polícia. Ao fim da manhã soube-se que a Polícia Judiciária estava a fazer buscas nas instalações da LIMAR, a Linha Municipal de Apoio a Refugiados que funciona, ao serviço da Câmara Municipal, no mercado do Livramento, em Setúbal.
A corporação confirmou oficialmente mais tarde as buscas, e acrescentou que tiveram lugar na câmara, na LIMAR e na Associação dos Emigrantes de Leste (Edinstvo), no âmbito de uma investigação por acesso indevido a dados pessoais.
Segundo um comunicado, as operações de busca foram realizadas no âmbito de um inquérito dirigido pelo DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal) da Comarca de Setúbal sobre a eventual prática de crimes de “utilização de dados de forma incompatível com a finalidade da recolha, acesso indevido e desvio de dados, previstos na Lei de Proteção de Dados Pessoais”. “No decurso das buscas foi apreendida para análise diversa documentação e foram efetuadas pesquisas informáticas sobre dados relacionados com os crimes em investigação”, é acrescentado no comunicado.
No Parlamento, durante uma audição no âmbito da discussão do OE2022, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares garantiu que será investigado “até às últimas consequências” o processo de acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal.
“Uma andorinha não faz a primavera e se vier a público, e se vier a ser confirmado, aquilo que foi o tratamento, que eu diria, negligente e intolerável por parte de um município, vai ser investigado até às últimas consequências”, disse Ana Catarina Mendes.
A ministra dos Assuntos Parlamentares recordou que está em curso um inquérito da Comissão Nacional de Proteção de Dados para averiguar se foram cometidas ilegalidades no acolhimento de refugiados provenientes da Ucrânia no município de Setúbal e que também foi pedida uma investigação pela Inspeção-Geral das Finanças
para apurar tudo o que aconteceu neste processo. “Este Governo não deixará que haja violação da lei e, muito menos, que não se trate de forma digna e com respeito aqueles que aqui chegam”, assegurou.
À margem dos trabalhos parlamentares, em conferência de imprensa, o Chega propôs a criação de uma comissão parlamentar de inquérito.
Ao mesmo tempo, na comissão de Assuntos Constitucionais, ouviram-se várias organizações sobre este caso.
“Caso isolado”
A Alta-Comissária para as Migrações (ACM) garantiu que só teve conhecimento do facto de uma associação russa estar envolvida no acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal quando o caso foi denunciado na comunicação social (pelo semanário Expresso).
Sónia Pereira contrariou assim declarações feitas horas antes pelo presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadhoka, que disse ter vindo a alertar o ACM para este tipo de situações desde 2011. “Aquilo que foi noticiado foi aquilo que o ACM teve conhecimento, nesse momento em que saiu na imprensa”, afirmou a alta-comissária. Segundo acrescentou, o passo seguinte foi entrar em contacto com os “parceiros privilegiados”. “Contactámos os centros locais de apoio ao imigrante em Setúbal, para perceber o conhecimento que tinham da situação, de que forma estavam a acompanhar, que atendimentos têm realizado com cidadãos deslocados da Ucrânia”, explicou.
Já o presidente da Associação Centro Social e Cultural Luso-Ucraniano afirmou que o que se passou em Setúbal com refugiados é “um caso isolado”. “A situação de Setúbal é uma situação isolada e revela falta de bom senso político e de respeito”, afirmou Abraão Veloso.
O dirigente explicou que, desde que a associação foi criada, em 2014, “foram alertados para pessoas infiltradas que, sendo ucranianas, pertenciam aos separatistas” e eram seguidores do regime de Putin. “Para mim, era absolutamente impensável uma situação destas”, sublinhou, acrescentando, contudo, que “não é uma situação que vai desgastar o acolhimento de ucranianos” em Portugal. Para Abraão Veloso, organizações a favor do regime de Putin “têm todo o direito de existir, mas se têm uma influência russa muito forte não podem ser reconhecidas como interlocutoras” da comunidade ucraniana em Portugal.
Ontem, à hora do fecho desta edição, prosseguia uma reunião da Assembleia Municipal de Setúbal para a qual estavam agendadas duas moções de censura ao executivo CDU, uma do PS e outra do PSD. Tudo apontava para que se chumbassem mutuamente. Mas, mesmo aprovadas, as moções de censura no poder local têm poder meramente declarativo e não vinculativo.