Diário de Notícias

Caso dos refugiados ucranianos transforma-se em caso de polícia Alta-comissária para as migrações, Sónia Pereira, assegurou no Parlamento que a sua organizaçã­o só teve conhecimen­to do caso pela imprensa.

Várias audições decorreram ontem no Parlamento, onde o Chega propôs uma comissão de inquérito. PJ fez buscas em Setúbal. Suspeita: “Acesso indevido a dados”.

- TEXTO JOÃO PEDRO HENRIQUES joao.p.henriques@dn.pt

Ocaso dos refugiados ucranianos alegadamen­te escrutinad­os em Setúbal por russos pró-Putin ganhou ontem contornos de caso de polícia. Ao fim da manhã soube-se que a Polícia Judiciária estava a fazer buscas nas instalaçõe­s da LIMAR, a Linha Municipal de Apoio a Refugiados que funciona, ao serviço da Câmara Municipal, no mercado do Livramento, em Setúbal.

A corporação confirmou oficialmen­te mais tarde as buscas, e acrescento­u que tiveram lugar na câmara, na LIMAR e na Associação dos Emigrantes de Leste (Edinstvo), no âmbito de uma investigaç­ão por acesso indevido a dados pessoais.

Segundo um comunicado, as operações de busca foram realizadas no âmbito de um inquérito dirigido pelo DIAP (Departamen­to de Investigaç­ão e Ação Penal) da Comarca de Setúbal sobre a eventual prática de crimes de “utilização de dados de forma incompatív­el com a finalidade da recolha, acesso indevido e desvio de dados, previstos na Lei de Proteção de Dados Pessoais”. “No decurso das buscas foi apreendida para análise diversa documentaç­ão e foram efetuadas pesquisas informátic­as sobre dados relacionad­os com os crimes em investigaç­ão”, é acrescenta­do no comunicado.

No Parlamento, durante uma audição no âmbito da discussão do OE2022, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamenta­res garantiu que será investigad­o “até às últimas consequênc­ias” o processo de acolhiment­o de refugiados ucranianos em Setúbal.

“Uma andorinha não faz a primavera e se vier a público, e se vier a ser confirmado, aquilo que foi o tratamento, que eu diria, negligente e intoleráve­l por parte de um município, vai ser investigad­o até às últimas consequênc­ias”, disse Ana Catarina Mendes.

A ministra dos Assuntos Parlamenta­res recordou que está em curso um inquérito da Comissão Nacional de Proteção de Dados para averiguar se foram cometidas ilegalidad­es no acolhiment­o de refugiados provenient­es da Ucrânia no município de Setúbal e que também foi pedida uma investigaç­ão pela Inspeção-Geral das Finanças

para apurar tudo o que aconteceu neste processo. “Este Governo não deixará que haja violação da lei e, muito menos, que não se trate de forma digna e com respeito aqueles que aqui chegam”, assegurou.

À margem dos trabalhos parlamenta­res, em conferênci­a de imprensa, o Chega propôs a criação de uma comissão parlamenta­r de inquérito.

Ao mesmo tempo, na comissão de Assuntos Constituci­onais, ouviram-se várias organizaçõ­es sobre este caso.

“Caso isolado”

A Alta-Comissária para as Migrações (ACM) garantiu que só teve conhecimen­to do facto de uma associação russa estar envolvida no acolhiment­o de refugiados ucranianos em Setúbal quando o caso foi denunciado na comunicaçã­o social (pelo semanário Expresso).

Sónia Pereira contrariou assim declaraçõe­s feitas horas antes pelo presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadhoka, que disse ter vindo a alertar o ACM para este tipo de situações desde 2011. “Aquilo que foi noticiado foi aquilo que o ACM teve conhecimen­to, nesse momento em que saiu na imprensa”, afirmou a alta-comissária. Segundo acrescento­u, o passo seguinte foi entrar em contacto com os “parceiros privilegia­dos”. “Contactámo­s os centros locais de apoio ao imigrante em Setúbal, para perceber o conhecimen­to que tinham da situação, de que forma estavam a acompanhar, que atendiment­os têm realizado com cidadãos deslocados da Ucrânia”, explicou.

Já o presidente da Associação Centro Social e Cultural Luso-Ucraniano afirmou que o que se passou em Setúbal com refugiados é “um caso isolado”. “A situação de Setúbal é uma situação isolada e revela falta de bom senso político e de respeito”, afirmou Abraão Veloso.

O dirigente explicou que, desde que a associação foi criada, em 2014, “foram alertados para pessoas infiltrada­s que, sendo ucranianas, pertenciam aos separatist­as” e eram seguidores do regime de Putin. “Para mim, era absolutame­nte impensável uma situação destas”, sublinhou, acrescenta­ndo, contudo, que “não é uma situação que vai desgastar o acolhiment­o de ucranianos” em Portugal. Para Abraão Veloso, organizaçõ­es a favor do regime de Putin “têm todo o direito de existir, mas se têm uma influência russa muito forte não podem ser reconhecid­as como interlocut­oras” da comunidade ucraniana em Portugal.

Ontem, à hora do fecho desta edição, prosseguia uma reunião da Assembleia Municipal de Setúbal para a qual estavam agendadas duas moções de censura ao executivo CDU, uma do PS e outra do PSD. Tudo apontava para que se chumbassem mutuamente. Mas, mesmo aprovadas, as moções de censura no poder local têm poder meramente declarativ­o e não vinculativ­o.

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Sónia Pereira, Alta Comissária para as Migrações, ontem, no Parlamento.

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