Metadados: PGR admite que existe risco para processos. Constitucionalista desdramatiza
Lucília Gago assumiu que “algumas investigações possam soçobrar” após decisão do Tribunal Constitucional. Já Jorge Reis Novais considera que, em rigor, “a decisão do TC não veio trazer nada de novo” face à decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Aprocuradora-geral da República, Lucília Gago, admitiu ontem haver “efetivamente o perigo” de o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) relativamente à lei dos metadados fazer com que “algumas investigações possam soçobrar”, tal como noticiado em primeira mão no sábado pelo DN.
À margem de uma conferência organizada pela Comissão Independente do Estudo sobre Abuso Sexual de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, Lucília Gago justificou o envio de uma peça processual para o TC a defender a nulidade do acórdão sobre a lei dos metadados, que impede a sua recolha para efeitos de investigação criminal. “Na forma como o acórdão foi publicado há efetivamente esse perigo de que algumas investigações possam soçobrar”, disse a PGR aos jornalistas.
Questionada se o receio é que tenha efetividade sobre casos já julgados e com condenações, Lucília Gago disse que “é isso que se tenta agora clarificar”.
Quem, no entanto, tem um entendimento diferente é o constitucionalista Jorge Reis Novais.
Em declarações à Lusa, este especialista desdramatizou, começando por garantir que os casos julgados “não são afetados”. Quanto a outros casos, “entretanto a prova já foi feita com recurso aos metadados”, pelo que “seguramente haverá já a convicção formada e outros elementos de prova que permitem aos juízes ultrapassar” as dificuldades.
De qualquer forma, segundo o especialista, “mesmo que o Tribunal Constitucional não tivesse dito nada (ou proferido este acórdão), era possível aos advogados invocar a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia” para “procurar anular este acesso aos metadados” no processo-crime.
Assim requerer a anulação do acesso aos metadados já podia ser feita pelos advogados, mesmo sem o acórdão do TC, pelo que: “A decisão do TC não veio trazer nada de novo” face à decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Para o constitucionalista, onde o TC “andou mal” foi “dizer para a frente”, ou seja, para o futuro, que “conservar os metadados durante um ano (que era aquilo que a lei dos metadados permitia fazer nas investigações) era desproporcionado”.
“Não vejo onde está a desproporcionalidade, pois é perfeitamente razoável que os metadados possam ser conservados durante algum tempo”, argumentou Jorge Reis Novais, observando que, por exemplo, as operadoras de telecomunicações guardam os metadados durante dois ou três meses para efeitos de mera faturação dos clientes.
Jorge Reis Novais precisou que o acesso aos metadados pela investigação criminal não é ter acesso às conversações telefónicas, mas, por exemplo, determinar a duração das chamadas e saber o local onde a pessoa esteve a conversar ao telemóvel.