INICIATIVA
Covid-19 em Portugal: a estratégia é apresentado amanhã, na Universidade do Minho. Raquel Duarte e Felisbela Lopes, duas das coautoras e membros do grupo de peritos que traçou o plano de “libertação” do país, contam ao DN o método de trabalho por trás das
Em fevereiro de 2021, com os hospitais ainda a rebentar pelas costuras naquela que foi a pior fase da pandemia de covid-19 em Portugal, o primeiro-ministro António Costa entregou nas mãos de um grupo de peritos uma missão: preparar um plano para a “libertação” do país, tão reclamada por vários setores de atividade. Com Raquel Duarte, pneumologista e antiga secretária de Estado da Saúde, como porta-voz, o grupo teve a responsabilidade de traçar as linhas orientadoras para o desconfinamento da população, após a fase mais grave da doença. Uma estratégia que, agora, mais de um ano depois e com Portugal a entrar na última fase do plano (praticamente sem medidas restritivas em vigor), estes especialistas resolveram publicar em livro. “Enquanto parte do processo de decisão neste tempo ímpar, sentimos a obrigação de deixar este legado”, resume Felisbela Lopes.
Covid-19 em Portugal: a estratégia,
que é apresentado publicamente amanhã, às 18.00, na Reitoria da Universidade do Minho, em Braga, é assinado então por Raquel Duarte, Felisbela Lopes, Filipe Alves, Ana Aguiar, Hugo Monteiro, Marta Pinto e Óscar Felgueiras, os sete elementos que integraram o grupo responsável pelas propostas de desconfinamento em Portugal. Dividida em três partes, a obra “traça a linha diacrónica da pandemia, apresenta o método de trabalho e a estratégia para desconfinar o país. No final, enuncia as lições que ficam desse tempo”, conta ao DN Felisbela Lopes, professora da Universidade do Minho e responsável pela estratégia de comunicação adotada por este grupo de peritos.
“Passados dois anos de pandemia, com todos nós já muito cansados e o vírus ainda a circular por aí, considerámos que era altura de deixar um registo daquilo por que passámos, de explicar o racional das decisões, a metodologia das nossas propostas, como elas foram aceites, quais as consequências, no fundo, traçar a evolução da pandemia e da situação das pessoas, de como as medidas tomadas impactaram as suas vidas… Só havendo uma memória descritiva daquilo que aconteceu podemos preparar melhor o futuro”, refere Raquel Duarte, pneumologista do Centro Hospitalar de Gaia, que assumiu o papel de rosto mediático deste grupo, explicando regularmente as medidas propostas nos diferentes meios de comunicação social.
Uma comunicação “simples e eficaz”, de resto, foi uma preocupação presente desde o primeiro dia de atividade, admite Felisbela Lopes, investigadora nas áreas da informação televisiva e da comunicação em saúde. “O que adotámos como estratégia de comunicação foi que todas as propostas eram apresentadas, em primeira mão, nas reuniões do Infarmed, sem furos jornalísticos para ninguém. Como todos nos lembramos, havia pressões de vários setores de atividade, em relação a esta ou aquela medida, e isso permitia-nos minimizar o espaço para as pressões. A opção foi uma comunicação forte no momento certo, que eram as reuniões do Infarmed”, explica.
Além disso, sublinha a docente da Universidade do Minho, era importante separar dois tempos diferentes: o das recomendações dos especialistas e o da decisão política. Por isso, a intervenção mediática do grupo de peritos cingia-se, por norma, ao intervalo entre a reunião do Infarmed e a reunião do Conselho de Ministros seguinte.
“A partir do momento em que a porta-voz do grupo [Raquel Duarte] falava no Infarmed, eu enviava aos media todo o material de suporte às propostas e a Raquel ficava disponível para entrevistas onde explicava as medidas recomendadas. A partir da reunião do Conselho de Ministros afastávamo-nos, porque aí era o tempo da decisão política e não podíamos estar a criar entropias. Não quer dizer que não tivéssemos nada a dizer sobre as decisões políticas tomadas, mas nessa altura isso só iria criar ruído”, resume Felisbela Lopes.
Apesar de ser um grupo “muito heterogéneo”, englobando especialistas de diferentes áreas da Saúde, mas também das matemáticas e da comunicação, estes peritos não trabalharam sozinhos, conta Raquel Duarte: “Auscultámos uma série de especialistas de outras áreas, utilizámos diversas ferramentas de avaliação das perceções da população, e isso ajudou muito na tomada de decisão.”
As análises feitas tinham sempre um espetro bem mais amplo do que os meros parâmetros epidemiológicos o seu potencial de perigo direto para a Saúde das pessoas. “Analisámos sempre a pandemia e as consequências das medidas propostas em todas as suas dimensões, do impacto na Saúde ao impacto na vida das famílias, aos aspetos sociais, económicos... A ideia foi sempre tentar encontrar um ponto de equilíbrio” para as recomendações feitas, garante a antiga secretária de Estado da Saúde, que integrou o primeiro governo de António Costa em 2018 e 2019.
Apesar das enormes pressões, dos mais diversos setores, que fervilharam no universo mediático ao longo do processo, ora reclamando mais liberdades ora aconselhando maior prudência, Raquel Duarte e Felisbela Lopes garantem que sentiram sempre “muita independência” no trabalho realizado, mas também “um enorme sentido de responsabilidade”, aponta a especialista em comunicação. “No fundo, encarámos esta missão com
COVID-19 EM PORTUGAL: A ESTRATÉGIA Fundação Mestre Casais/UMinho Editora um espírito de serviço público, pro buono, em paralelo com as atividades profissionais de cada um”, refere, contando que a comunicação entre os diversos peritos era feita por via remota, em chats e reuniões virtuais. “A primeira vez que nos encontrámos todos presencialmente foi para a fotografia do livro”. “Sentimos sempre muita vontade em trabalhar em conjunto e com a noção de que estávamos a correr uma maratona, que ainda não acabou”, acrescenta Raquel Duarte.
Para o futuro, garantem, ficam várias lições, que o livro aborda. Do papel fulcral dos cuidados de saúde primários na resposta à pandemia, à fragilidade da Saúde Pública, passando pela evolução na digitalização do processo de gestão ou a importância da promoção da literacia e da comunicação em saúde.
Para Felisbela Lopes, o tempo que este livro documenta “demonstra que a decisão política é sempre mais bem sustentada quando apoiada por especialistas”.
Raquel Duarte destaca também “a importância de trabalhar em conjunto” como uma das mais válidas lições que esta pandemia deixa para o futuro. E nesse conjunto têm necessariamente de estar englobados “os cidadãos”. “A eles se deve tudo”, é a frase que termina o livro.
Além disso, “é fundamental um olhar crítico sobre o que foi feito, sabendo que houve aspetos menos bons sobre os quais é preciso atuar para organizar melhores respostas futuras a esta ou outras pandemias”, aponta a pneumologista, para quem a lição mais negativa é “a nossa incapacidade, a nível mundial, para garantir equidade no acesso a cuidados e vacinas”.
Covid-19 em Portugal: a estratégia inaugura a Coleção Ensaios para a Sustentabilidade da Fundação Mestre Casais e é publicado por esta Fundação e pela UMinho Editora em formato digital e em acesso aberto. É apresentado amanhã, na Reitoria da Universidade do Minho, em Braga, com as presenças do primeiro-ministro e da ministra da Saúde.