Coreanos, e agora?
Entre as eleições presidenciais sul-coreanas de 9 de março, que deram a vitória ao conservador Yoon Suk-yeol, e a tomada de posse em Seul deste na terça-feira passada, participei, em finais de abril, na WJC2022, uma conferência internacional de jornalistas, desta vez por videoconferência, ainda por causa da pandemia da covid-19, mas que em duas edições anteriores me permitiu visitar o país e inclusive ir em reportagem à zona desmilitarizada que o separa da Coreia do Norte desde a sangrenta, mas inconclusiva, guerra de 1950-1953. A diversidade de nacionalidades presentes na conferência (de americanos a russos, de colombianos a papua-novo-guineenses) e a discussão de temas como a manipulação da informação tanto em tempos de paz como de guerra serviram para confirmar a solidez da democracia neste país da Ásia Oriental, que até surge mais bem classificado do que o Japão no recente Index da liberdade de imprensa; ao mesmo tempo, a grande capacidade organizativa ajudou a perceber uma vez mais porque razão as empresas nacionais são tão competitivas nos mercados internacionais que permitem à Coreia do Sul ser hoje a 12.ª economia mundial.
Às duas visitas para participar em conferências, juntei uma terceira viagem, e regressei sempre com grande admiração pelo modo como os sul-coreanos insistem em fazer uma vida normal mesmo sabendo que a menos de uma centena de quilómetros da capital está a tal zona desmilitarizada, na realidade a fronteira mais perigosa do mundo, tamanho é o potencial militar de ambas as Coreias, tendo a do Norte, ainda por cima, armas nucleares. Ao longo dos anos – e isso foi especialmente evidente durante a presidência agora terminada do liberal Moon Jae-in – Seul tem-se esforçado por normalizar as relações com Pyongyang, onde governa Kim Jong-un, o terceiro de uma dinastia de líderes comunistas que na realidade se tornou ultranacionalista e nunca desistiu de uma reunificação da península pela força.
Perante os escassos resultados práticos das negociações com a Coreia do Norte, e que chegaram a envolver o então presidente americano Donald Trump (os Estados Unidos são o grande aliado da Coreia do Sul), esperava-se que, chegado ao poder, Yoon adotasse uma atitude mais dura, mas o seu primeiro discurso presidencial consistiu numa proposta audaciosa a Kim: um plano de apoio económico à Coreia do Norte em troca da renúncia ao arsenal nuclear. Uma série de testes de mísseis foi a primeira resposta de Pyongyang, e também se suspeita de que poderá ter reiniciado a construção de um reator adormecido, mas mesmo estes dois fatores não serão suficientes para desanimar o esforço negocial de Yoon e até pode haver desenvolvimentos surpreendentes, depois de Pyongyang ter admitido este mês a primeira morte por covid-19 (já admitiu mais algumas dezenas) e muito provavelmente estar a enfrentar uma crise sanitária que, em última instância, exigirá apoio internacional e esse terá de passar muito pela Coreia do Sul. O presidente Yoon já ofereceu vacinas e ajuda médica, percebendo que talvez seja esta uma oportunidade única de reaproximação, se houver algum tipo de racionalidade em Kim.