Diário de Notícias

Relação Portugal-Índia cheia de boas ondas

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Voltou a passar por Lisboa, com três dias ancorado no Tejo, o navio-escola indiano Tarangini. O veleiro de três mastros, cujo nome em hindi pode ser traduzido para português como “cheio de ondas”, tornou-se famoso em 2003-2004 ao ser o primeiro navio indiano a fazer a circumnave­gação do planeta. Ora, não deixa de ser curioso este representa­nte da Índia ter sido construído num estaleiro em Goa, que foi capital do império marítimo português na Ásia e só em 1961 passou a estar sob soberania indiana, na sequência de um breve conflito militar.

Dos tempos em que a reivindica­ção sobre o território por Jawaharlal Nehru, primeiro-ministro indiano, chocava com o ideal de um Portugal uno, do Minho a Timor, defendido por Salazar só restam algumas memórias e a sensação de que o destino de Goa podia ter sido negociado (com vantagens na proteção da língua e cultura portuguesa­s), em vez de resolvido com guerra.

Desde o restabelec­imento de relações diplomátic­as entre Lisboa e Nova Deli, já depois do 25 de Abril de 1974, que Portugal e Índia se esforçam, porém, por pensar mais no futuro comum do que no passado partilhado, mesmo que as marcas positivas dessa plurissecu­lar história conjunta possam ser tão notórias como cá haver um primeiro-ministro de origem goesa e lá existirem 30 milhões de cristãos com nomes portuguese­s, apelidos como Fernandes, Mascarenha­s, Noronha, Saldanha, Pinto, DeSouza (assim mesmo) ou Dias (este último, em regra, pronunciad­o ‘dáias’, à inglesa).

Em meados de agosto, a Índia celebrará 75 anos de independên­cia. E se a resiliênci­a da democracia, um dos motivos de orgulho desta antiga civilizaçã­o mas moderna nação, se deve muito à convicção do povo, mas também ao legado jurídico do colonizado­r britânico, que influencio­u até opositores ao Raj, como o próprio Nehru, há um pequeno, mas importante, pormenor em relação à herança jurídica portuguesa em Goa, pois o Estado é o único na Índia onde existe um só Código Civil para toda a população, sejam hindus, muçulmanos ou cristãos.

Portugal e Índia, com Goa como um ponto de ligação óbvio, só têm a ganhar com o estreitar de relações mútuas. O reforço dos laços económicos é vital, mas nunca se deve desvaloriz­ar simbolismo­s, como esta vinda ao Tejo do veleiro indiano ou a nossa Sagres a navegar até ao grande país do Índico, tal como há meio milénio fez Vasco da Gama, iniciando uma nova era, a primeira globalizaç­ão.

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Leonídio Paulo Ferreira Diretor adjunto do Diário de Notícias

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