Excelentíssimo Senhor Engenheiro e Doutorando Esse animal feroz em que diz transformar-se quando acossado deve ser libertado. Sem falinhas mansas, sem rodriguinhos.
Sua Excelência, Senhor ex-Primeiro Ministro de Portugal; Sua Excelência, Senhor ex-Ministro do Ambiente;
Senhor José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, pronunciado por seis crimes,
Excelência,
Ouvi-o, há dias, justificar a razão pela qual não respondeu às perguntas feitas por um tribunal acerca das recentes viagens que tem feito para o Brasil, onde frequenta um doutoramento.
Diz Vossa Excelência, Senhor Engenheiro e Doutorando, que responderia “a todas as perguntas do tribunal se o tribunal mas quisesse fazer e se elas fossem feitas com bons modos”. Partilho totalmente da sua indignação perante os “maus modos” dos tribunais em Portugal. Todos sabemos, infelizmente, que a linguagem utilizada nos tribunais, nos processos, nos requerimentos, nos incidentes de recusa e nos julgamentos é uma linguagem inapropriada, demasiado informal, percetível a qualquer cidadão e, além de tudo, brejeira. Queira, por isso, Senhor Engenheiro e Doutorando, perdoar o fraco domínio e exposição da língua portuguesa por parte desse órgão de soberania.
Por outro lado, diz Vossa Excelência estar disposto a responder a todas as perguntas do tribunal “se fossem feitas com o objetivo de esclarecer fosse o que fosse”.
Não sendo assim, e bem sabemos que os tribunais se ocupam de perguntas absolutamente desnecessárias e fúteis sobre aquilo a que chama “vida privada”, quero unir-me a si nessa tentativa de devassa da privacidade de Vossa Excelência. É absolutamente inaceitável que, perante um arguido num processo principal, que foi dividido em outros processos, o tribunal estranhe não lhe ter sido comunicada uma ausência da sua residência habitual superior a cinco dias. Na verdade, o termo de identidade e residência a que estão obrigados todos os arguidos em processo penal, mesmo numa fase em que a pronúncia não deu lugar a julgamento, por recursos interpostos pela sua defesa e pelo Ministério Público, Senhor ex-Primeiro Ministro de Portugal, não deve aplicar-se a Vossa Excelência. As normas do Código de Processo Penal em vigor, como sabemos, existem para não serem cumpridas. Mais a mais, as suas mais que justificadas ausências devem-se a estudos superiores numa das mais conceituadas universidades do mundo, pelo que, só por esse facto, deveriam a lei e os códigos dispensá-lo de qualquer dever de informar o tribunal das suas ausências.
Há de reparar, Senhor ex-Ministro do Ambiente de Portugal, Excelência, que estou a procurar dirigir-me a si “com bons modos”, de forma que não se ofenda com as questões que aqui lhe coloco. A urbanidade no tratamento entre cidadãos e no tratamento do Estado e dos tribunais na sua relação formal com os cidadãos é fundamental para que se possam obter respostas claras a perguntas simples.
Por fim, Senhor José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, e voltando a citá-lo, fiquei muito agradado com uma das frases que proferiu na entrevista da semana passada. “Eu nada temo”, disse na resposta a uma pergunta. Fez-me lembrar uma outra frase, que lhe foi atribuída e nunca desmentida, a célebre: “Sou um animal feroz.”
Enquanto cidadão, é isso que espero de si. Esse destemor, essa capacidade de se defender, de provar a sua inocência diante de órgãos de soberania conluiados com “jornalistas amigos” e que tudo têm feito para o denegrir, expor, torpedear e irritar. Esse animal feroz em que diz transformar-se quando acossado deve ser libertado. Sem falinhas mansas, sem rodriguinhos.
Faça jus ao que diz. E enfrente a justiça, dando as respostas que lhe pedem, esclarecendo o que lhe exigem. Há um país que Vossa Excelência governou que aguarda pelo fim deste processo. E o senhor deveria ser o principal interessado em que esse dia chegasse.
Com bons modos, naturalmente.