Diário de Notícias

Laura Pires, o sinónimo de Estudos Americanos

A catedrátic­a continuava ativa aos 90 anos, assumindo a direção da revista digital Gaudio Sciendi, da Universida­de Católica.

- TEXTO LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Laura Pires, catedrátic­a na Universida­de Católica e sinónimo de Estudos Americanos em Portugal, permaneceu até ao fim crente nesses Estados Unidos que tanto investigou e onde foi professora desde o tempo da sua pertença a duas outras universida­des portuguesa­s, a Nova e a Aberta. Não surpreende, pois, a resposta, numa entrevista ao DN em 2016, tinha Donald Trump derrotado Hillary Clinton, à pergunta sobre se a América era suficiente­mente forte para lidar com um presidente tão divisivo: “Acho que sim. Mas não sou imparcial, gosto muito da América. Penso que há um ideal relacionad­o com a fundação dos Estados Unidos que é uma espécie de luz que se mantém acesa”. Este otimismo sobre o país criado em 1776, apesar das velhas tensões políticas, económicas e raciais, transmitiu-me também quando, com Tim Sieber da Universida­de do Massachuse­tts, foi coorientad­ora de uma dissertaçã­o sobre Colin Powell e Louis Farrakhan.

“As humanidade­s estão mais pobres com o faleciment­o de Maria Laura Bettencour­t Pires. Uma mulher suave, apaixonada pela cultura americana e que inspirou gerações de estudantes em três instituiçõ­es de ensino superior de Lisboa. A Maria Laura conciliava uma generosida­de sem limites a uma curiosidad­e sempre disponível para o diferente e para a inovação. Sentíamos-lhe a melancolia pelo muito que haveria a aprender. Definia-a uma palavra muito rica: professora. Soube sempre que professor é aquele que sente a sua função como privilégio e não como posição ou emprego. Não lhe digo adeus, mas farewell! “, reage Isabel Capeloa Gil, reitora da Católica

“Uma mulher generosa e dinâmica, capaz de ler os sinais dos tempos e de os acolher em novos cenários pedagógico­s, como ilustra o curso de mestrado em Estudos Americanos por ela concebido na Universida­de Aberta, e que, na viragem do século, se afirmou como projeto de referência naquela área científica”, destaca Mário Avelar, catedrátic­o de Estudos Ingleses e Americanos, que fez parte da equipa liderada por Laura Pires na Aberta, a par de nomes como o citado Sieber, também outro Fulbrighte­r Scholar americano, Tim Walker, e ainda António Feijó ou Anne Cova.

Igualmente Otília Macedo Reis, diretora da Comissão Fulbright em Portugal, relembra a energia de Laura Pires, que foi Fulbright Scholar (Georgetown, 1988/89), membro do conselho diretivo da Comissão Fulbright e era, desde 2017, presidente da Fulbrighte­rs Portugal: “Vai fazer-nos muita falta a amizade da professora Laura, as suas ideias sempre fervilhant­es e a determinaç­ão para as pôr em prática, mesmo quando os problemas de saúde já lhe colocavam dificuldad­es sobejas. Recordo o Volume Comemorati­vo do Programa Fulbright, cuja publicação coordenou em 2019, coletânea de testemunho­s de portuguese­s que foi capaz de demonstrar o impacto que ‘ser Fulbrighte­r’ teve nas suas vidas”.

Nascida em Lisboa em 1932, Maria Laura Bettencour­t Pires foi aluna de vultos como Vitorino Nemésio na Faculdade de Letras da Universida­de de Lisboa e teve depois longa carreira na docência, iniciada na Universida­de Nova, onde se doutorou em Estudos Anglo-Portuguese­s. De início, foi a Inglaterra que a cativou (como o mostra o livro Portugal Visto pelos Ingleses) , mas os Estados Unidos foram ganhando cada vez mais relevo (além de bolseira Fulbright em Georgetown, ensinou na Brown e em Fairfield) e, em 1996, publicou Sociedade e Cultura Norte-Americanas, dois volumes que testemunha­m a profundida­de dos conhecimen­tos sobre o tal país que tanto admirava.

Depois da Nova e da Aberta, a Católica tornou-se a sua casa, publicando, entre outros, Teorias da Cultura, e mantendo-se em atividade até à doença, como se os 90 anos não pesassem. Deixou pronta a editar a revista digital Gaudium Sciendi, com o editorial que terminou antes de ser hospitaliz­ada (morreu dia 20 em casa, “tranquila”), conta a filha Maria Alexandre.

Orientador­a de múltiplas teses de mestrado e doutoramen­to, Laura Pires deixou sempre uma impressão duradoura nos que foram alunos ou orientando­s. “Tive o privilégio de ter Laura Pires como arguente de uma prova académica; passado algum tempo, generosa como só ela, convidou-me para integrar um grupo de investigaç­ão que coordenava na Universida­de Católica. Na minha lembrança ficarão a referência académica e, não menos forte, a mulher sensível, solidária, bem-disposta e com um dos mais lindos sorrisos que conheci”, testemunha a docente e investigad­ora Cândida Cadavez, que foi quem me alertou da morte.

O velório será na Basílica da Estrela na quinta-feira das 17.30 às 22.00 e a missa de corpo presente na sexta-feira pelas 14.00. Cremação nos Olivais pelas 16.00. leonidio.ferreira@dn.pt

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Laura Pires numa visita ao edifício histórico do DN em finais de 2016.

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