Prémios de guerra
Atensão agora entre a Rússia e a Lituânia por causa dos acessos ao enclave de Kaliningrado vem relembrar até que ponto a solução pragmática adotada para as três federações comunistas que ruíram depois da queda do Muro de Berlim (União Soviética, Jugoslávia e Checoslováquia), ou seja o desmembramento respeitando as fronteiras das repúblicas pré-existentes, deixou por resolver situações várias, algumas potencialmente explosivas, como se tem, aliás, visto desde há três décadas.
Com a exceção notável da Checoslováquia, que de forma pacífica em 1993 se cindiu em República Checa (ou Chéquia) e Eslováquia, dois países que souberam manter uma boa relação, a regra foi o conflito a seguir ao desmembramento.
O caso mais evidente de tragédia é o da Jugoslávia, um país comunista que até recusava obediência a Moscovo e parecia ir buscar à antiga resistência aos nazis algum cimento de unidade nacional, mas que na hora da divisão viu os sérvios da Krajina contestarem a permanência na Croácia independente e os croatas e sérvios da Bósnia recusarem ser governados pela maioria muçulmana. No caso da revolta dos albaneses no sul da Sérvia, o facto de estes serem maioritários numa província com um estatuto especial, veio quebrar a lógica de só ex-repúblicas federadas poderem aceder à independência, mas mesmo tendo o reconhecimento de uma centena de países, o Kosovo continua fora das Nações Unidas.
No desmembramento soviético, com 15 repúblicas a tornarem-se independentes em 1991, foram também vários os confrontos, desde os separatismos osseta e abcaze na Geórgia e transnístrio na Moldávia (todos fomentados pela Rússia) até à guerra entre a Arménia e o Azerbaijão pelo controlo do Nagorno-Karabakh, enclave habitado por arménios em território azeri, que ainda há dois anos teve uma fase de grande violência.
Kalininegrado, a antiga cidade alemã de Königsberg, foi um prémio de guerra para a Rússia no final da Segunda Guerra Mundial, tal como a Crimeia o foi das guerras russo-turcas dos séculos anteriores. Nenhuma delas – seja Kaliningrado pela descontinuidade geográfica em relação à Rússia, ou a Crimeia, por causa da simbólica oferta à Ucrânia no tempo de Nikita Krutchev – eram problemas no tempo da União Soviética. O centralismo de Moscovo fazia-se sentir quando necessário, malgrado a suposta autonomia das repúblicas, e nos mapas tudo parecia coerente. Não havia fronteiras internacionais para os comboios atravessarem, como hoje em Kaliningrado, nem a frota russa do Mar Negro tinha de pagar renda a outro país para estar baseada na Crimeia. E não vale a pena procurar culpados, pois são muitos, entre os mal e os bem-intencionados. O importante é estar atento ao quão explosivas são estas heranças de outras eras, prémios de guerras passadas e, por isso, com uma valorização muito alta para governantes e povo.