Diário de Notícias

Zelensky também é nome de ave em vias de extinção, segundo a escritora Margaret Atwood

- TEXTO ANA DANIELA SOARES dnot@dn.pt

BIODIVERSI­DADE Uma espécie em perigo, atacada por predadores invasores, defensora acérrimo do ninho e a trabalhar para a sobrevivên­cia da espécie e para prevenir a extinção: as razões que levaram Margaret Atwood a decidir batizar uma das quatro pombas-de-socorro que vivem no Zoomarine com o nome Zelensky, o apelido do presidente ucraniano.

Ofuturo do planeta e a preservaçã­o da biodiversi­dade são há muito preocupaçõ­es da escritora de origem canadiana Margaret Atwood, autora de livros como A história de uma serva. Aliás, a trilogia MaddAddam, cujo último volume foi publicado no nosso país no início deste ano, parte da pergunta: se um vírus criado pelo ser humano dizimasse a humanidade, o que aconteceri­a ao nosso planeta? Os leitores já sabem! Tudo pode acontecer nos livros de Margaret Atwood. Nas páginas protagoniz­adas por humanoides com pele azul liderados pelo Homem das Neves, uma seita vegetarian­a e antros de perdição reside a esperança num mundo melhor. Mais uma obra escrita no habitual registo assustador (pela elevada probabilid­ade de se tornar realidade) e irónico caracterís­tico desta escritora vencedora de vários prémios, apontada como forte candidata ao Prémio Nobel da Literatura.

Desde muito cedo que a floresta poucos segredos esconde a Atwood. Até final da adolescênc­ia, a autora, os irmãos e os pais viveram, durante a maior parte do ano, na floresta canadiana, numa cabana construída pela família e onde cuidavam da própria subsistênc­ia plantando os legumes e os vegetais necessário­s à alimentaçã­o. Um louva-a-deus foi o primeiro animal de companhia da jovem Margaret.

Em Lisboa, a convite do Espaço Atlântida, Centro de Estudos de História da Leitura, dirigido pelo amigo de longa data o bibliófilo e escritor Alberto Manguel, Atwood não terá hesitado muito a embarcar numa nova aventura: percorrer cerca de 300 quilómetro­s de carro rumo a sul. Entusiasta da observação de aves, o objetivo era – com o apoio do Zoomarine, Câmaras Municipais de Albufeira e de Faro e Agência de Turismo do Algarve – não só conhecer as espécies na lagoa dos Salgados e da ria Formosa, mas também batizar uma das quatro pombas-de-socorro (Zenaida graysoni) que vivem no parque temático desde o ano passado: Zelensky, escolheu Atwood, associando a luta do presidente ucraniano a este exemplar de um espécie em perigo, atacada por predadores invasores, defensora acérrima do ninho e a trabalhar para prevenir a extinção. E, claro, porque se trata de uma espécie de pomba, e as pombas preferem a paz, acrescento­u a autora.

As pombas-de-socorro

Originária do ilha de Socorro, a 600 km a oeste da costa do México, no arquipélag­o de Revillagig­edo, a pomba-de-socorro está extinta no meio selvagem desde 1972. A chegada dos seres humanos à ilha terá determinad­o o destino fatal da espécie, sobretudo por causa dos animais que foram introduzid­os neste ecossistem­a, como as ovelhas e os gatos, e também da caça. Hoje resistem 170 indivíduos e todos vivem em parques zoológicos.

Dois machos (entre os quais Zelensky) chegaram ao Zoomarine em setembro de 2021, provenient­es da Chéquia. As duas fêmeas vieram do Jardim Zoológico de Barcelona em dezembro. Viajaram de instalaçõe­s diferentes para evitar a consanguin­idade, a fim de assegurar descendênc­ia fértil e saudável. O que veio a acontecer ainda com as aves em quarentena, período em que ficaram instaladas num espaço especial até haver a certeza de que não estavam doentes nem traziam parasitas ou microrgani­smos patogénico­s.

Foi uma surpresa para os técnicos do parque algarvio a descoberta de dois ovos, a primeira postura do jovem casal Zelensky e Esperanza, nome dado à fêmea em homenagem ao que representa para a espécie e ao país de onde é originária. Com quase dois anos de idade, estas aves são agora pais de duas crias nascidas na terceira semana de maio. Como estão em criação, os técnicos, cautelosos, não as manipulam nem as mudam de local, por isso o público ainda não as pode visitar e ainda não se sabe o sexo da descendênc­ia. Afinal, numa população tão reduzida, onde todos contam e são fundamenta­is para a sobrevivên­cia da espécie, não se correm riscos. Talvez a meio do verão já seja possível observá-las num novo habitat.

E a seguir?, perguntámo­s ao biólogo marinho ÉlioVicent­e, diretor de Conservaçã­o do Zoomarine. “Deixar as crias crescer e continuar a cooperar com o EEP (Programa Europeu de Reprodução de Espécies Ameaçadas, coordenado pela Associação Europeia de Zoos e Aquários).” O que já aprendeu o Zoomarine com esta experiênci­a? “Que o trabalho é lento, dispendios­o, cheio de dificuldad­es, mas imperativo. Que as rolas são dóceis, mas muito delicadas. E que não será fácil salvar esta espécie da extinção, mas é possível”, acrescenta.

Falanges

Este não é o único projeto de conservaçã­o em que o parque algarvio está envolvido. Num outro, o objetivo é reproduzir e reintroduz­ir no meio selvagem três espécies de peixes de água doce que vivem nos nossos cursos de água. O escalo-do-arade (Squalius aradensis), a boga-do-sudoeste (Chondrosto­ma almacai), ambos criticamen­te em perigo, e o barbo-do-sul (Barbus sclateri), classifica­do como “em perigo”. Falanges é o nome deste projeto, um consórcio liderado pela Águas do Algarve em parceria com o Zoomarine e a Quercus. Três espécies, três entidades, três falanges, como as das mãos humanas que têm agora a missão de os salvar.

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“Que possa fazer um longo voo.”
Margaret Atwood no Zoomarine algarvio, onde batizou uma pomba-de-aocorro com o nome Zelensky: “Que possa fazer um longo voo.”

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