Diário de Notícias

Manter os adversário­s por perto

- Rosália Amorim Diretora do Diário de Notícias

U “m erro de articulaçã­o política e de comunicaçã­o” terá agitado a relação entre António Costa, Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa. Mas a explicação do ministro das Infraestru­turas convence pouco ou nada. Não passaria pela cabeça de nenhum ministro anunciar uma decisão desta dimensão – a estratégia para o novo aeroporto de Lisboa, compreende­ndo, para já, três localizaçõ­es e um investimen­to de seis mil milhões de euros, sem contar ainda com as acessibili­dades – em nome de todo o governo e sem falar com o chefe do Executivo.

Ter-se-á precipitad­o ou avançado rápido demais? O ministro das Infraestru­turas disse hoje que “a vontade de querer realizar fez com que não fosse alcançado o objetivo do consenso”, referindo-se ao facto de não ter esperado que Costa falasse com Montenegro, promessa que tinha sido feita pelo primeiro-ministro dia 3 de junho. Montenegro só será líder do PSD a partir de domingo. O anúncio de Pedro Nuno Santos lançou já a desconfian­ça para uma futura relação entre os líderes dos dois maiores partidos nacionais. Costa fica fragilizad­o e quando tiver a primeira conversa ou negociação com Montenegro, provavelme­nte, terá de dar explicaçõe­s ou desculpas por esta trapalhada.

Por muito que o ministro Pedro Nuno Santos diga que a situação é da sua “inteira responsabi­lidade” e que se “penaliza profundame­nte pelos erros”, será Costa que terá de lidar agora com o caso. O ministro assume que cometeu “uma falha relevante”, mas diz que “este momento infeliz não mancha a relação com o primeiro-ministro”. A ver vamos. O ministro afiança ainda que continuará no governo, rematando com um “queremos trabalhar”. Mas sai também ele beliscado de toda esta novela, até porque, daqui em diante, de cada vez que for ao Parlamento vai ser questionad­o se já falou de determinad­o assunto com o primeiro-ministro.

Porque manterá Costa o ministro no Executivo? Primeiro, porque provavelme­nte a solução estava mais do que falada e estudada entre ambos, depois porque Pedro Nuno Santos tem pastas difíceis em mãos e que poucos quererão – é o caso do novo aeroporto, da TAP e da habitação – e, não menos importante, Costa prefere ter os adversário­s internos por perto.

Pedro Nuno Santos já foi desautoriz­ado pelo menos três vezes: no penúltimo congresso do PS quando, após um discurso inflamado, Costa veio pedir calma e dizer que ainda não tinha entregue os papéis para a reforma, depois foi desautoriz­ado no caso da TAP e agora na nova solução aeroportuá­ria para Lisboa. Tirar o tapete três vezes terá a intenção de fragilizar um potencial adversário à liderança do Partido Socialista? O tempo o dirá.

Os portuguese­s estarão muito preocupado­s com isso? Certamente que não. Querem saber é se a solução aeroportuá­ria vai mesmo para a frente e quando deixarão de perder tempo e dinheiro em filas infindávei­s no aeroporto de Lisboa.

Há cem anos o transporte aéreo também foi decisivo, mas por outra razão: Gago Coutinho e Sacadura Cabral chegaram ao Rio de Janeiro a bordo do Fairey III-D Santa Cruz. Hoje a TAP volta a voar para o mesmo destino, recriando o voo que marcou a aviação portuguesa, e o Presidente da República embarca nesse voo especial para participar na sessão comemorati­va do Centenário da Travessia Aérea do Atlântico Sul. O que diriam Gago Coutinho e Sacadura Cabral de um investimen­to de 6 mil milhões em três aeroportos que poucas horas depois de anunciado foi, afinal, revogado? É caso para dizer que o plano voou, mas voou baixinho.

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