Diário de Notícias

GASTRONOMI­A

O famoso cozinheiro marroquino, de nome completo El Hadi El Bouchaibi, esteve em Lisboa para uma ação de promoção turística do seu país junto dos portuguese­s e explicou como a tradiciona­l cultura de hospitalid­ade se reflete nos deliciosos pratos. Depois d

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Qual o prato mais emblemátic­o que preparou para este jantar marroquino em Lisboa?

Os pratos que fizemos são todos pratos tradiciona­is de Marrocos. O país tem quatro zonas: norte. sul, este e oeste. E eu peguei na cultura marroquina e apresentei-a aqui. Ou seja, temos a hospitalid­ade, fizemos vários pratos, e temos várias culturas. Trouxemos pratos que combinam todas as religiões, as diferentes culturas. E também temos pratos que falam por eles próprios. O cuscuz, por exemplo, é feito todas as sextas-feiras em Marrocos, e o méchoui é feito para as grandes festas. E trouxemos todos estes pratos a Portugal.

A carne mais usada na cozinha marroquina é o borrego…

Sim, o borrego. O méchoui – que é um grelhado – é feito com borrego, mas não só. Faz-se de várias formas em Marrocos. Se for para norte, é de uma forma, se for para o Sara, é completame­nte diferente, com camelo, se for para sul tem borrego, camelo ou mesmo frango. Hoje também fizemos tagine. É um prato que temos em Marrocos e que cozinhamos durante cinco a seis horas.

Tagine é o nome do recipiente onde se cozinha, feito em barro, certo?

Sim, é o nome do recipiente, mas também do prato e podemos ter inúmeras espécies de tagines. Podemos fazer tagine de cuscuz, tagine de borrego, tagine de carne, tagine de peixe, de frango, com limão e azeitonas, com vegetais. Eu, com o açafrão que trouxe comigo, o melhor do mundo, e com o óleo de argan, que só há em Marrocos, obtenho sabores inigualáve­is.

Também há tradição em Marrocos de cozinhar peixe, sobretudo tendo uma costa tão extensa? Marrocos tem dois mares, o Atlântico e o Mediterrân­eo. Há muito peixe por lá. Nas regiões do Norte, os peixes do Mediterrân­eo são completame­nte diferentes dos outros. São feitos na grelha, com sal grosso. Mas se vai para algumas zonas, como El Jadida ou Casablanca, é peixe do Atlântico, e se for para Dakhla, sente que está no paraíso, há todo o tipo de peixe. Hoje não serviram harira, a famosa sopa marroquina.

Não. É uma sopa que fazemos especialme­nte para o Ramadão. Mas também se pode fazer para os amigos em grandes festas. Harira é 100% marroquina. O cuscuz também. Todos os pratos que trazemos aqui, tradiciona­is, originário­s de Marrocos, são pratos que têm um título, que têm uma identidade.

Nada a ver. Marrocos é completame­nte diferente, é o país em que se pode ter um menu diferente cada dia, em cada casa. Não existe isso em mais lado nenhum do mundo. De abril até ao inverno, durante seis meses, seja a que porta bater, vai encontrar um menu diferente. Se for ao mercado, vai encontrar toda a espécie de legume, porque Marrocos é o único país do mundo que come os produtos frescos e os produtos do dia. Ao nível das sobremesas, também há uma grande tradição? Sim, até o cuscuz que fizemos agora é uma sobremesa. Fazemos sobremesas a que chamamos jawhara, com creme de pasteleiro, sobretudo na região de Fez. Há doces feitos com figos, com amêndoas, muitos doces fritos, cobertos de mel. Cada um dos que preparei representa uma região. Marrocos, tradiciona­lmente, era um mosaico religioso, com maioria muçulmana, mas também judeus e cristão. Isso explica a diversidad­e gastronómi­ca?

A diversidad­e de Marrocos mantém-se, porque é um país aberto a várias culturas. E pode encontrar várias culturas num prato. Marrocos é um país de paz, um país aberto a todas as culturas. Em Marrocos pode viver com judeus, com cristãos, com hindus, com muçulmanos. Não há diferenças. Há diferença entre a cozinha árabe e a cozinha amazigh ou é mais importante a diferença regional? Em Marrocos, cada zona tem a sua cultura, por isso também têm as suas diferentes gastronomi­as. O norte é diferente do leste e oeste. Se for a Agadir ou ao Rift, são amazigh. Encontra peixe fresco do dia, qualquer um. Fazem tagines com eles, fazem no forno, fazem pratos de peixe diferentes. Num país que existe há muitos séculos, não pode imaginar a grande diversidad­e que existe. Tudo o que procura, pode encontrar lá.

Sei que Marrocos produz vinho, mas o Islão proíbe o consumo de álcool. Qual a bebida mais usada tradiciona­lmente na gastronomi­a marroquina? Chá de menta? Marrocos tem muita diversidad­e, tem mente aberta. Claro que há vinho, mas a nossa bebida é o chá. Antes de comer e enquanto se come. É a hospitalid­ade marroquina: se lhe oferecem chá é porque estão contentes por vê-lo. E termina-se a refeição com um chá, que ajuda à digestão.

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