REINO UNIDO Três anos depois do Brexit: arrependimento, crise económica e polémicas políticas
Um em cada cinco que votaram para sair da União Europeia estão arrependidos, com a inflação a pesar nos bolsos no pós-pandemia e em plena guerra na Ucrânia. E os problemas de Sunak crescem nos 100 dias de governo.
S “ei que podemos transformar esta oportunidade num impressionante sucesso. E, independentemente dos obstáculos no caminho à nossa frente, sei que vamos ter êxito”, disse a 31 de janeiro de 2020 o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Naquela noite, o Reino Unido saía oficialmente da União Europeia após um longo e atribulado processo. Três anos depois do Brexit, os britânicos estão arrependidos, sendo os obstáculos mais difíceis de ultrapassar do que previsto: a pandemia de covid-19, o regresso da guerra à Europa, uma crise económica com uma inflação recorde, e outra política, que viu três inquilinos em seis meses no N.º10 de Downing Street. E ainda antes de completar 100 dias como primeiro-ministro, Rishi Sunak enfrenta polémicas, sem esquecer a herança envenenada que é o Protocolo para a Irlanda do Norte.
No referendo de 2016, o Brexit ganhou por 52% contra 48%. Hoje, segundo a sondagem das sondagens do site WhatUKThinks.org, 58% votariam para estar na União Europeia, contra 42% que preferiam continuar de fora. Parte da mudança de opinião prende-se com a mudança no eleitorado – estão a morrer os eleitores mais velhos, que votaram maioritariamente a favor do Brexit, enquanto os jovens, que entram agora na idade de votar, são contra. Mas não é só uma questão demográfica, há um “Bregret” – palavra que junta Brexit e regret, isto é, arrependimento. Uma sondagem de novembro, da YouGov, concluiu que um em cada cinco que votaram a favor do Brexit mudaram de ideias.
Apesar de a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia serem apontadas como a principal razão para a crise económica – que viu a inflação atingir 11,1% em outubro (o valor mais alto em mais de 40 anos) –, é claro para muitos eleitores que a culpa é também do Brexit. O Reino Unido é a única economia do G7 que ainda não regressou aos níveis de PIB pré-pandemia e as estimativas de gabinetes do governo dizem que a saída da União Europeia irá reduzir, a longo prazo, em 4% a economia britânica.
O ministro das Finanças, Jeremy Hunt, rejeita o cenário negro, alegando que parte da imagem negativa se
baseia em estatísticas que não refletem a visão global. E reiterou, na passada sexta-feira, que as liberdades do Brexit tornaram possíveis o novo plano económico de longo prazo.
O ministro defende que é preciso olhar para lá dos problemas que as empresas sentiram no curto prazo, com mais burocracia para fazer negócios com os vizinhos europeus, os atrasos nas fronteiras ou a falta de trabalhadores, e olhar para as “oportunidades de futuro”. A economia saiu-se melhor do que o esperado em dezembro e janeiro, mas uma recessão ainda não está totalmente de lado.
A inflação trouxe um aumento do custo de vida e uma onda de protestos e greves sem precedente. Rishi Sunak assinala na quinta-feira os 100 dias de governo, tendo passado há muito os 44 dias desastrosos de Liz Truss, mas tem de lidar com o descontentamento. Amanhã, está prevista uma greve de professores e de transportes, além de outros setores, a envolver meio milhão de trabalhadores, com a oposição a apresentar o milionário Sunak como afastado da realidade. As sondagens dão ao La
de Keir Starmer, uma vantagem de mais de 20 pontos, com os Tories a tentarem evitar ir às urnas antes do previsto (janeiro de 2025).
A piorar a situação para Sunak, a polémica em torno da demissão de Nadhim Zahawi de presidente do Partido Conservador e de ministro sem pasta, depois de ser revelado que violou as regras ministeriais por falta de transparência fiscal. Zahawi, que foi um dos fundadores da YouGov e ministro tanto de
Johnson como de Truss, pagou uma dívida de cerca de cinco milhões de libras ao fisco, não tendo contudo revelado que estava a ser alvo de uma investigação – quando essas notícias surgiram, falou em ataques falsos à sua reputação.
Mais tarde alegou que foi uma “omissão”, “não intencional”, mas o primeiro-ministro está a ser pressionado. Em causa está se sabia, ou não, da investigação que existia ao ministro. E as críticas não são só da oposição. Entre os conservadores está a ser atacado pela alegada rapidez da investigação oficial que pediu que fosse feita, com os defensores de Zahawi a dizer que não teve tempo para responder às acusações (as conclusões chegaram em menos de uma semana)
Sunak disse ontem que agiu rapidamente, nomeando alguém para investigar o caso, assim que soube, e afastando o ministro quando recebeu as conclusões, mostrando-se convencido de que será capaz de “restaurar a integridade de volta à política”.
Este é o segundo ministro que perde em menos de 100 dias (o outro foi o Gavin Williamson), havenbour,
do também pressão para que afaste o vice, Dominic Raab, acusado de bullying. Ele nega.
Em todos os casos, Sunak herdou problemas passados, tal como herdou o Protocolo da Irlanda do Norte do pós-Brexit. Apesar de ter deixado a União Europeia junto com o resto do Reino Unido, a Irlanda do Norte continua no Mercado Único de forma a evitar uma fronteira física com a República da Irlanda. Contudo, os unionistas queixam-se de que isso abre uma brecha com o resto do Reino Unido e, os conservadores, de que deixa o território ainda sob o controlo dos tribunais europeus.
Londres e Bruxelas admitem que não está a funcionar e estão a negociar, mas sem acordo à vista em vésperas do 25.º aniversário dos Acordos de Sexta-Feira Santa, que selaram a paz. Entretanto, a Irlanda do Norte continua sem governo, depois de os nacionalistas do Sinn Féin terem ganho pela primeira vez as eleições e os unionistas do DUP recusarem entrar no executivo, como estabelecem os Acordos de Paz assinados em 1998. Mais uma dor de cabeça para Sunak.
Em 100 dias de governo (faz na 5.ª feira), Sunak já perdeu dois ministros e está a tentar segurar outro. Ainda assim, já durou mais do que os 44 dias de Liz Truss.