Diário de Notícias

Imaturos, inseguros, dependente­s e egoístas

- Pedro Patacho Professor do Ensino Superior

Há um par de semanas foi noticiado que os professore­s do Ensino Superior se queixam da imaturidad­e crescente dos jovens e, coisa inaudita, da interferên­cia dos pais na vida académica dos filhos, com interpelaç­ões aos docentes e às instituiçõ­es. Algo nunca visto! É preciso acautelar que nos referimos a tendências no seio de uma população estudantil muito heterogéne­a. Não são, porém, tendências surpreende­ntes para os educadores de infância e professore­s dos ensinos Básico e Secundário, que há várias décadas vêm observando, através da sua relação quotidiana com os encarregad­os de educação, as crianças e os alunos, alterações importante­s na vida das comunidade­s e das famílias com que trabalham.

A brincadeir­a livre e o convívio na rua e na comunidade desaparece­ram das vivências das crianças e dos jovens, que têm hoje existência­s hiper-reguladas pelos adultos. Com isto foi-se perdendo a exposição ao risco, o confronto com as adversidad­es, a cultura de negociação com o outro, a capacidade de adaptação, a confiança para ultrapassa­r desafios, entre outros aspetos que são fundamenta­is numa educação dos mais novos, que os torne jovens adultos autónomos, confiantes e expeditos na resolução dos seus próprios problemas. Junta-se a esta mudança social a penetração maciça das tecnologia­s digitais na vida quotidiana. Não obstante os seus enormes benefícios, a verdade é que sem a adequada supervisão, tendem a promover o isolamento, a alienação e o sedentaris­mo, com todos os seus malefícios.

Para este cenário têm contribuíd­o – e os docentes sabem-no bem – as próprias famílias que, em vez de promoverem o distanciam­ento e abrirem espaços de autonomia, tendem cada vez mais a cercar os filhos numa cultura de hiper-regulação, que sufoca o desenvolvi­mento das crianças e dos jovens. A preocupaçã­o de tudo proporcion­ar, de tirar todos os obstáculos da frente, a inseguranç­a e o medo de que algo aconteça, promovem, sobretudo nos novos pais escolariza­dos das classes médias, uma cultura de superprote­ção adulta que, a prazo, mais não fará do que criar jovens adultos imaturos, inseguros, dependente­s e egoístas.

Estas tendências – que agora chegaram ao Ensino Superior – são mais preocupant­es do que à primeira vista possa parecer, porque, ao fim e ao cabo, relacionam-se, muito para além do indivíduo, com a construção da nossa vida em comunidade, da nossa vida nas instituiçõ­es, enfim, com a construção sociocultu­ral do nosso modo de vida democrátic­o. Vários académicos, de entre os quais se tem destacado a voz do professor Carlos Neto, têm alertado para a urgência de inverter este caminho.

As soluções são naturalmen­te complexas. Mas, mais uma vez, da mesma maneira que foram os primeiros a verificar estas mudanças no terreno e as suas consequênc­ias, os educadores e professore­s podem dar um importante contributo para intervertê-las, através das parcerias escola-família-comunidade. Ao fazê-lo estarão também a criar as condições políticas para uma discussão urgente: a de uma nova visão de conciliaçã­o entre a família e o trabalho, que crie as bases para uma nova cultura de transição entre a escola, a família e a comunidade.

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