Pagamentos em atraso passam os 22 dias além do acordado e estão a pôr em risco as empresas
Degradação da situação económico-financeira na Europa está a levar muitos clientes a atrasar a liquidação das faturas. Comissão e Parlamento Europeu querem mexer na legislação e obrigar a um prazo máximo de 30 dias.
A “situação está difícil. Só não entro em pânico porque já não é a primeira vez que passamos por uma crise, nem será a última, mas custa-me, porque tive de pagar salários ‘às prestações’ nos últimos dois meses, quando tenho dinheiro na rua que nos dava para pagar vencimentos até janeiro ou mais”, diz ao DN/DinheiroVivo um industrial nortenho, que prefere não se identificar para não pôr em causa o eventual apoio da banca, que poderá vir a ser necessário. É apenas um dos muitos casos de pequenas e médias empresas industriais com dificuldades em receber pela produção já feita e entregue.
A retração dos consumidores europeus é a principal causa apontada para as dificuldades em setores como a moda, mas não só. Os dados mais recentes do Barómetro de Pagamentos da Informa D&B, referentes a outubro, mostram que, em Portugal, o numero médio de dias de pagamentos, além dos prazos acordados com os fornecedores, está nos 22,7 dias, sendo o setor dos transportes o pior pagador, com uma média de 30,6 dias de atraso e apenas 11,6% das empresas a cumprirem os prazos acordados.
O melhor pagador é o retalho, com 22% das empresas a cumprirem e as restantes a registarem uma média de 18,7 dias de atraso. Destaque ainda para setores como as atividades imobiliárias, o alojamento e restauração, os serviços empresariais e os serviços gerais, cujo prazo médio de pagamento além do acordado vai dos 23,8 aos 28 dias. Na indústria está nos 22,5 dias a mais.
Estes são dados do mercado nacional, elaborados a partir dos prazos de pagamentos das entidades empresariais públicas e privadas. Mas a questão é mais alargada, transversal a vários países europeus. Um outro empresário contactado pelo DN/DV admite: “O ano ainda não acabou, mas vai ser seguramente a melhor faturação de sempre que terei, o problema é cobrá-la. Ainda ontem recebemos dinheiro de uma produção feita em junho”, explica.
“Quando há diminuição das quantidades vendidas, o efeito colateral são os atrasos nos pagamentos. Infelizmente, é uma situação transversal e pouco mais há a fazer do que acionar os seguros de crédito”, diz um outro.
A consequência é que o número de empresas em dificuldades está a aumentar. Basta ter em conta os dados das insolvências – que cresceram 32,1% em outubro, e 19,7% no acumulado dos primeiros 10 meses do ano – e das ações judiciais, com crescimento homólogo mensal de 5,5%, e de 0,8% no acumulado a outubro. Em causa estão mais de 1600 processos de insolvência em 2023 e quase 22 800 ações judiciais.
PME “não podem ser o banco das grandes empresas”
A Comissão Europeia propôs, em setembro, uma revisão da diretiva sobre os atrasos de pagamentos, com um prazo máximo de 30 dias para liquidação das faturas. Róza Thun, a relatora do Parlamento Europeu sobre esta matéria, não avança qual o prazo que proporá na sua proposta, que será conhecida a 4 de dezembro, mas é perentória: “As PME não podem ser um banco para [financiar] as grandes empresas, o dinheiro tem de fluir.”
A eurodeputada polaca falava ao DN/DV à margem da Assembleia das PME, que decorreu recentemente em Bilbau, no âmbito da presidência espanhol da UE, e na qual a questão dos atrasos nos pagamentos esteve em grande destaque, bem como a falta de mão-de-obra qualificada, dois temas que prejudicam o desenvolvimento destas empresas que representam quase 99% do tecido empresarial da União Europeia.
“Não podemos continuar assim. O facto de as PME serem pagas de forma tão tardia implica que não se conseguem desenvolver, não conseguem investir em inovação, nem pagar corretamente aos seus funcionários. Elas são o sistema nervoso central da nossa economia e do mercado interno, precisamos de olhar por elas e não as deixar ficar à espera do dinheiro que é delas e devia chegar depressa. É uma questão que será saudável para toda a economia”, sustenta.
Sobre o prazo máximo a impor como adequado para liquidar faturas, Róza Thun admite que a proposta da Comissão Europeia “é razoável”, mas lembra que há setores que a criticam fortemente e outros “totalmente entusiásticos” na sua defesa. “Ou se adora ou se odeia, mas ninguém aparece com uma proposta melhor. Portanto, diria que nos parece uma solução bastante razoável o que a CE propõe. Mas vamos a ver o que sai do Parlamento Europeu, porque ainda temos de o discutir com os restantes grupos e depois veremos”, sublinha.
A posição do Parlamento Europeu há de ser votada em março, em sessão plenária, mas há eleições europeias em junho, pelo que o triálogo – as negociações com o Conselho e a Comissão – só terá lugar depois disso e deverá levar tempo. “Acho que temos de contar com, pelo menos, um ano pela frente”, refere a eurodeputada.
Reconhecendo que este é um problema que se arrasta desde sempre, Róza Thun acredita que, desta vez, a situação vai mesmo mudar. “Agora, em vez de uma diretiva será um regulamento europeu. Uma diretiva é transposta para a legislação dos Estados-membros, um regulamento é imediato. Será mais rápido, não será precisa legislação adicional para a sua implementação. Acredito que será isto que nos permitirá realmente começar a mudar as coisas nesta matéria. O tempo entre a emissão da fatura e o seu pagamento tem de ser muito mais curto”, frisa.
Eurodeputada espera que o Parlamento aprove uma solução antes das eleições europeias, para haver um regulamento que obrigue a encurtar os prazos de pagamento em toda a UE.