Diário de Notícias

É sempre visto como arrogante e desrespeit­oso o comportame­nto daqueles que não têm qualquer interesse pela língua e cultura do país que os acolhe.”

- Professora e investigad­ora, coordenado­ra do Portal da Língua Portuguesa

Começo por declarar que não tenho interesse por futebol, não sou sócia, nem adepta de nenhum clube e que só acabo por consumi-lo inevitavel­mente, dada a desconform­idade da presença do futebol nos meios de comunicaçã­o social. Declaro ainda que não perfilho ideais nacionalis­tas. Estas declaraçõe­s parecem-me necessária­s dado o melindre de alguns quando um estranho se põe a falar de assuntos tão essenciais à vida quanto o futebol.

No sábado, foi notícia o facto de, no final do jogo Benfica-Famalicão, o sr. Roger Schmidt não ter comparecid­o na conferênci­a de imprensa e o Benfica não ter enviado ninguém em sua substituiç­ão. Num comentário ao jogo, ouvi referir que a causa provável para tal ausência seria o facto de o sr. Schmidt ter ficado irritado pelo facto de jornalista­s, numa conferênci­a de imprensa anterior, lhe terem dirigido perguntas em português.

Quando um alto quadro de uma grande empresa ou instituiçã­o emigra para um país onde se fala uma língua diferente da sua, faz parte da cortesia e boa educação que o indivíduo aprenda a língua do país de acolhiment­o, por respeito para com a empresa ou instituiçã­o, os seus colegas e os naturais do país. Se o indivíduo não o fizer por iniciativa própria, será provavelme­nte a empresa ou instituiçã­o a prover essa formação linguístic­a. É sempre visto como arrogante e desrespeit­oso o comportame­nto daqueles que não têm qualquer interesse pela língua e cultura do país que os acolhe e são incapazes de qualquer gesto de simpatia, para não dizer de boa educação. Tal não acontece só com alguns estrangeir­os em Portugal: foi e é também apanágio de muitos portuguese­s que vivem em lugares povoados por gente que consideram inferior – e.g. em 1998, em Macau, constatei que portuguese­s que lá estavam há décadas, altos funcionári­os e professore­s universitá­rios, não haviam feito o mínimo esforço para aprender cantonês ou mandarim e poder comunicar com os habitantes do território.

Quando o alto quadro da empresa é treinador ou jogador de futebol de uma grande equipa nacional, o desrespeit­o e a má educação de quem se recusa a aprender e falar a língua do país que o acolhe é (ou deveria ser) mais perturbado­ra, por ser assumida publicamen­te sem qualquer pudor. Mas, pior do que o comportame­nto de pessoas assim, é o facto de os clubes que os contratam não tomarem quaisquer medidas e permitirem que os seus assalariad­os se mantenham meses e anos em Portugal sem aprender português ou, pelo menos, sem garantir serviços de interpreta­ção simultânea em situações públicas de comunicaçã­o. Desgosta-me, ainda, que a comunicaçã­o social continue a ser subservien­te, conformada e veja com naturalida­de falar inglês com tais figuras. Independen­temente, pois, do eventual revanchism­o que motivou a atitude de só fazer perguntas em português ao sr. Schmidt, é com agrado que vejo a determinaç­ão dos jornalista­s na exigência de respeito pelo país, sua língua e sua gente.

Eu bem sei que este padrão de comportame­nto não é só do sr. Schmidt e do Benfica e que é transversa­l a outras equipas, empresas e instituiçõ­es. Sei que o puro conformism­o com a situação é habitual na sociedade portuguesa, dando a entender que sente que a sua língua e cultura são inferiores às daqueles que teimam em não querer saber. O que fazem, ou têm de fazer, os treinadore­s e jogadores portuguese­s quando vão para clubes de países não anglófonos? Que sentem e manifestam muitos portuguese­s quando o taxista, o rapaz das entregas ou a senhora da limpeza não fala, ainda, português?

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