Diário de Notícias

Octávio luta pelo título mundial. Como o drama de um filho criou o ‘pequeno Mike Tyson’

BOXE O luso-moçambican­o só começou na modalidade­s há cinco anos, mas rapidament­e chegou ao topo e amanhã vai lutar pelo título de Campeão Mundial da UBO (Universal Boxing Organizati­on). Para trás fica uma história de luta e lágrimas.

- TEXTO ANDRÉ CRUZ MARTINS dnot@dn.pt

Agrave doença de um filho, na altura com 2 anos, levou Octávio Pudivitr a arranjar um escape. Elegeu o boxe, longe de imaginar o que iria alcançar. Atualmente, com 36 anos, o luso-moçambican­o é líder do ranking da modalidade em Portugal e tem amanhã um dos maiores desafios em vista – vai disputar o título de Campeão Mundial da UBO (Universal Boxing Organizati­on) com o colombiano Juan Boada, no Pavilhão de Congressos de Matosinhos.

“A minha vida desabou por completo. Tinha o meu filho de 2 anos com um cancro na bexiga em fase avançada e não conseguia encarar o problema. Mas, em vez de me meter nas drogas ou no álcool, decidi dedicar-me ao boxe e foi ele que me salvou de uma possível depressão”, conta ao DN.

Octávio nasceu em Moçambique, mas aos 11 anos veio para um colégio interno do Porto. “Os meus pais quiserem afastar-me das lutas de gangues em Moçambique e mandaram-me para Portugal, com o meu irmão mais velho”, relata. Os primeiros tempos não foram fáceis. “De início pensei que ia ser bom. A mesma língua, um país europeu, mais desenvolvi­do do que o terceiro mundo a que estava habituado. Mas foi muito complicado para um miúdo tão novo. Morria de saudades dos meus pais e eram muitas as diferenças culturais, gastronómi­cas e de mentalidad­e em relação a Moçambique. Mas lá me fui adaptando e tive a sorte de ter encontrado pessoas que me deram a mão”, observa.

Começou por praticar futebol e até pensou seguir uma carreira profission­al, ideia que afastou aos 18, quando optou pelos estudos, muito pela pressão da mãe. Foi praticando algumas modalidade­s de combate (a que levou mais a sério foi o Jiu-Jitsu) e aos 31 tomou a decisão: ia dedicar-se ao boxe.

“A minha evolução foi muito rápida e sou a prova viva de que nunca é tarde para termos sucesso em algo de que gostamos, desde que sejamos muito resiliente­s”, realça. Hoje é o N.º 1 nacional, N.º 10 africano, 80.º europeu e 143.º mundial. E tem alcançado vários títulos nacionais e internacio­nais, um dos mais relevantes o de Campeão do Mundo daWBU (União Mundial de Boxe, na sigla inglesa), em junho.

A dar passos firmes na modalidade, a dada altura passaram a chamar-lhe Mini Mike Tyson. “Foi a imprensa moçambican­a que me começou a chamar dessa forma, pela semelhança no estilo de combater. No início foi importante essa alcunha, para ganhar maior visibilida­de, mas depois percebi que me estava a prejudicar ao tentar imitá-lo e decidi apostar num novo estilo”, confessa. Nada, porém, que diminua a profunda admiração pelo famoso pugilista norte-americano: “É o meu ídolo e espero um dia cumprir o sonho de o conhecer, ou simplesmen­te tirar uma fotografia com ele.”

Mas recuemos até 2018, quando o mundo desabou à sua frente e foi confrontad­o com a grave doença do filho. “Quando soubemos da doença de um dos meus dois filhos gémeos, o cancro já estava em fase avançada e não havia hipótese de ser tratado em Portugal. Fomos para França e foi um choque vê-lo sofrer com os tratamento­s de quimiotera­pia. Eu nem conseguia entrar no hospital e era mal interprede­sabafa, acrescenta­ndo: “Sentia-me sufocado e o boxe acabou por ser o meu escape. Aplicava-me ao máximo para tentar esquecer o que se passava.”

Depois de tempos de muito sofrimento, começou a ver a luz ao fundo do túnel. “O meu filho acabou por ser quase uma cobaia num novo tratamento e, felizmente, o cancro regrediu e hoje encontra-se bem”, congratula-se.

O pai, o futebol e perder peso

Para além do grave problema de saúde de um dos seus filhos, outro momento que o deitou muito abaixo foi a morte do pai, há dois anos. O pai era checo (foi dele que ganhou o apelido Pudivitr), engenheiro de profissão, vivia em Moçambique e morreu com covid. A mãe, também moçambican­a, costuma vir a Portugal uma vez por ano, para passar dois meses com o filho e os netos. “Ainda é muito ativa, é empresária, gere um colégio que é nosso, e um complexo turístico”, descreve.

Octávio tem oito filhos e vivem todos no Porto. “Não comigo, mas com as mães deles, mas estamos muitas vezes juntos. O mais novo tem 4 anos e a mais velha 11, e claro que vão assistir ao combate de sexta-feira. Se eles me dizem que querem fazer carreira no boxe? Sim, os rapazes têm esse desejo, mas vou aconselhar-lhes outra coisa, porque isto é muito exigente a nível físico e mental”, conta.

Para trás ficou o futebol. “Era aquele típico trinco muito caceteiro, mas os meus treinadore­s gostavam muito da minha atitude!”, atira. Hoje, futebol, só mesmo assistir aos jogos do seu Sporting: “Andámos pelas ruas da amargura, mas ficámos bem desde a chegada do Rúben Amorim.”

Octávio confessa que não está especialme­nte nervoso com o combate de amanhã, embora não esconda “maior ansiedade do que o habitual”. O pior mesmo é ter de perder peso. “Habitualme­nte tenho 90 kg e, na semana do combate, tenho de diminuir até aos 79. É muito difícil para mim ‘cortar na boca’ e fico muito irritado, ninguém me consegue aturar”, atira.

Uma vitória no combate de amatado”, nhã permitirá ao pugilista luso-moçambican­o subir ao top-100 do ranking mundial e ter uma visibilida­de maior. E será que Portugal não é já um país muito pequeno para quem quer novos horizontes na modalidade ? “Já tive vários convites do estrangeir­o, de Boston, Nova Iorque e alguns de Inglaterra, mas não quero dar um passo maior do que a perna. Primeiro, quero consolidar-me aqui em Portugal e depois logo se verá”, diz.

Sobre Juan Boada, o seu adversário de amanhã – 153º lugar no ranking mundial, 10 abaixo do seu – lembra que se trata de “um atleta muito mais experiente”, mas está confiante na vitória. Afinal, ganhar, para ele, é como respirar: é certo que só disputou nove combates até hoje, mas só perdeu um, na Alemanha, e, de acordo com a sua visão, “de forma bastante duvidosa”.

Para 2024, o grande objetivo está traçado: competir na WBA ( World Boxing Associatio­n), a principal organizaçã­o de boxe do mundo. Mas para já o futuro começa esta sexta-feira à noite em Matosinhos.

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Como só começou há cinco anos na modalidade, Octávio só fez ainda nove combates. Mas o saldo é positivo: só perdeu um.

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