A batuta no ecrã
MÚSICA Depois de Tár, temos Maestro, este baseado na personagem real de Leonard Bernstein. Em menos de um ano, dois filmes produziram retratos da figura do/a regente de orquestra, enchendo o grande ecrã de solenidade musical. Mas há mais exemplos no cinema.
Uma das brincadeiras à volta de Tár, o filme de Todd Fields protagonizado por Cate Blanchett que fez correr muita tinta sobre a biografia inventada da sua personagem titular, foi a certificação de que essa maestrina – ou maestro, como prefere ser chamada – teve em Leonard Bernstein o seu mentor. No filme vemo-la a afirmar tal privilégio numa entrevista, e mais tarde a mesma Lydia Tár revisita a sua coleção de cassetes VHS, com as gravações dos célebres Concertos para Jovens, como quem regressa à casa de partida do seu amor pela música. Pois bem, para entrar no jogo, os três filhos de Bernstein decidiram declarar, numa carta à revista The New Yorker, que Tár, qual criação do cinema com vida própria, teria sido uma “adolescente-prodígio cujo talento, de tão formidável, lhe garantiu permissão especial para ser uma das alunas de Bernstein em Tanglewood, no verão de 1990”. Se os representantes do espólio do maestro o dizem, quem pode negar a associação?
A figura universal do maestro no cinema já teve algumas expressões mais ou menos memoráveis. Entre as mais óbvias, talvez seja de referir os filmes sobreWolfgang Amadeus Mozart (Amadeus, de Milos Forman) e Ludwig van Beethoven (Corrigindo Beethoven, de Agnieszka Holland), que não deixam de ser retratos de homens com a batuta na mão, para lá das respetivas composições musicais.
Mas há também O Concerto (2009), de Radu Mihaileanu, história de vingança de um maestro da ex-União Soviética que reúne os seus antigos músicos judeus e os leva a Paris em representação oficial da Orquestra do Teatro Bolshoi; Tentação de Vénus (1991), de István Szabó, com Glenn Close no papel de uma diva da ópera que se apaixona por um maestro húngaro durante uma produção de Tannhäuser, de Wagner; O Chefe de Orquestra (1980), de Andrzej Wajda, drama sobre o conflito entre dois maestros numa pequena cidade polaca; e Ensaio de Orquestra (1978), um filme de Federico Fellini para a RAI, por sinal, a sua última colaboração com o compo
sitor Nino Rota, em que os ensaios de um grupo musical expõem a revolta dos músicos contra o maestro. Conto político sobre a disciplina e a criação artística?
O que não falta por aí são filmes sobre músicos de orquestra. Já a personagem do maestro, tal como se apresenta em Tár e no novo filme de Bradley Cooper sobre Bernstein, Maestro, parece não ter equivalente em termos de intensidade e concentração de energia produtiva. O que Blanchett e Cooper alcançaram enquanto atores tem que ver com uma nova dimensão dramática; uma vulnerabilidade íntima indissociável do músculo profissional.
Mas há maestros e maestros. Quando concebeu Fantasia (1940), Walt Disney teve logo em mente a figura de Leopold Stokowski, para fazer exatamente aquilo que ele faz nesse filme revolucionário da animação: dirigir a Orquestra de Filadélfia, que toca grandes temas da música clássica à medida dos oito segmentos de desenho animado. Um maestro conhecido por não usar a batuta. Ao contrário daquele interpretado por Victor Sjöström em Rumo à Felicidade (1950), de Ingmar Bergman, que se agarra à varinha enquanto demonstra a sua insatisfação quanto ao fortíssimo da sua orquestra... Outro belo filme.