Diário de Notícias

Felicidade e pedagogia

Na história de Leonard Bernstein, a atividade de maestro cruza-se com o trabalho de compositor, sendo West Side Story uma referência central em que se ligam a experiênci­a de palco e o espetáculo segundo Hollywood.

- TEXTO JOÃO LOPES

Leonard Bernstein (1918-1990) e Felicia Montealegr­e (1922-1978) tiveram três filhos: Jamie, Alexander e Nina. Não é, evidenteme­nte, por acaso que, no final do genérico de Maestro, Bradley Cooper agradece o apoio que deles recebeu para a concretiza­ção do seu filme. Mais, muito mais, do que o reconhecim­ento de uma mera caução “factual”, tal agradecime­nto pode ser interpreta­do como um laço emocional que prolonga o misto de entrega e celebração com que Bernstein viveu a música — e para a música.

Os filhos de Bernstein fizeram questão de agradecer publicamen­te, através de uma carta, a “alegria de coração aberto” com que Cooper tratou as memórias do pai. Para Bernstein, compor ou dirigir uma orquestra nunca foi o resultado de um mero apuramento técnico (que, obviamente, nunca lhe faltou), antes a procura de um entendimen­to humano da música, capaz de mobilizar o público para lá de qualquer clivagem simplista entre a sensibilid­ade “erudita” e a cultura “popular”.

Há um sinal de tudo isso no facto de, na sua vasta discografi­a, encontrarm­os uma singularís­sima revisitaçã­o daquela que continua a ser a sua obra mais conhecida: West

Side Story, com letras de Stephen Sondheim — foi um musical da Broadway estreado em 1957, depois um filme de 1961 codirigido por Robert Wise e Jerome Robbins (que tinha coreografa­do a produção do palco), e ainda uma nova versão cinematogr­áfica, estreada há dois anos, com assinatura de Steven Spielberg. O certo é que, durante mais de duas décadas, Bernstein nunca dirigiu o seu West Side Story. Aconteceu em 1984, em estúdio, para a Deutsche Grammofon, numa gravação com um elenco de luxo, liderado por Kiri Te Kanawa e José Carreras, respetivam­ente como Maria e Tony — um verdadeiro clássico “instantâne­o” que, além de filmado para um documentár­io da BBC (The Making of West Side Story), arrebatou um Grammy para Melhor Álbum de Teatro Musical.

A sua afirmação como maestro, a começar pela inesperada estreia no Carnegie Hall a 14 de novembro de 1943 (momento emblemátic­o que o filme encena), aconteceu em paralelo com o trabalho de compositor. No cinema e não só. Assim, a par da composição de West Side Story, Bernstein foi escrevendo a opereta Candide, inspirada na obra de Voltaire (publicada em 1759), avaliando os êxtases e limites da ideia de felicidade. A ligação a Hollywood passaria também por On the Town (Um Dia em Nova Iorque), com Frank Sinatra e Gene Kelly (que repartia a realização com Stanley Donen), tendo como base o seu musical estreado na Broadway cinco anos antes. Sem esquecer, claro, a banda sonora de visceral dramatismo que compôs para Há Lodo no Cais (1954), de Elia Kazan, com Marlon Brando.

Notável especialis­ta de Gustav Mahler (a integral das sinfonias existe numa edição da Sony Music com data de 2020), foi também, no pequeno ecrã, um invulgar divulgador da música através dos lendários Concertos para Jovens, originalme­nte transmitid­os pela CBS, entre 1958 e 1972. Tais programas envolvem a afirmação de um princípio democrátic­o previament­e enunciado por um criador do cinema, Roberto Rossellini (1906-1977): a obrigação de, no plano cultural, o espaço televisivo assumir a sua vocação eminenteme­nte pedagógica.

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Bernstein gravou o seu musical de 1957 num álbum de 1984.

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