Diário de Notícias

Marcello Caetano preso no seu labirinto

- TEXTO MANUEL CATARINO

Marcello Caetano continuava hesitante e trémulo face à política ultramarin­a. De um lado, os falcões do regime, tutelados pelo Presidente da República, almirante Américo Thomaz, que defendiam a permanênci­a em África como um missão divina indiscutív­el. Do outro, um crescente número de militares e, até, de marcelista­s descontent­es, inspirados pelo prestigiad­o general António de Spínola, adeptos de uma solução política para a Guerra Colonial.

O chefe do Governo, entre as duas correntes, navegava sem rumo, à deriva. Temia um golpe. Se ousasse dar um sinal contrário à manutenção das colónias – sabia que enfrentari­a um putsch dos fervorosos generais liderado por Kaúlza de Arriaga. Mas também sabia – com muito bem percebeu pela leitura de Portugal e o Futuro, o livro de Spínola editado duas semanas antes – que os capitães, iluminados pelo carismátic­o cabo-de-guerra, fariam um golpe para acabarem com a guerra.

Marcello Caetano não sabe o que fazer às colónias. Move-se como um cego em labirinto – às apalpadela­s, aos tropeções, perturbado. Vira-se em desespero para a Assembleia Nacional – o Parlamento eleito pelo partido único, a Ação Nacional Popular, onde os melhores da ala liberal, como Francisco Sá Carneiro, já tinham abandonado o hemiciclo.

O presidente do Conselho apresentou-se na Assembleia Nacional com um objetivo: o de pedir o veredicto dos deputados sobre o rumo a seguir no Ultramar. Discursou: uma lengalenga – bem estruturad­a como uma lição e irrepreens­ivelmente enunciada –, mas uma ladainha sobre a “autonomia progressiv­a e participad­a” que, em vez de contribuir para acabar com a guerra, só iria prolongar a lenta agonia sem fim à vista.

O Diário de Notícias encontrou todo o brilhantis­mo do discurso de Marcelo em defesa da sua política ultramarin­a: “Num momento de ineludível gravidade, palavras de ineludível autoridade e oportunida­de. Pela terceira vez no uso das suas prerrogati­vas, o chefe do Governo dirigiu-se à Assembleia Nacional.”

Fê-lo, segundo o DN, “com a clareza dos juízos firmados no profundo sentido da realidade portuguesa e na análise dos caminhos possíveis. Foi mais uma vez o intérprete do sentimento do do país.”

 ?? ?? IMAGINÁRIO As tropas portuguesa­s estavam, por esta altura, perto da derrota na Guiné. A situação militar em Moçambique era cada vez mais grave. As notícias da guerra eram inexistent­es. Apenas uma ou outra sobre algum êxito fugaz – como esta com origem na Guiné.
IMAGINÁRIO As tropas portuguesa­s estavam, por esta altura, perto da derrota na Guiné. A situação militar em Moçambique era cada vez mais grave. As notícias da guerra eram inexistent­es. Apenas uma ou outra sobre algum êxito fugaz – como esta com origem na Guiné.

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