Diário de Notícias

Helena Tecedeiro Um mês para dizer Salut! ao francês Se me arrependo de não ter falado com a Mariana em francês desde pequenina? Sem dúvida. Mas espero que andar na Alliance desde os 7 anos ajude a fazer dela uma francófona capaz de apreciar na língua ori

- Editora executiva do

Sábado de manhã, o despertado­r toca às 7.45, como todos os dias da semana. E como todos os dias dou cinco minutos de “ronha” à Mariana. Aos 13 anos, continua a levantar-se de boa vontade e bom humor, mesmo ao fim de semana. Mesmo que, já vestida e de pequeno-almoço tomado, em vez da mochila pesadíssim­a e de percorrer a pé os cinco minutos até à escola, tenha de pegar no saquinho onde leva os manuais da Alliance Française e entrar no carro a caminho das Amoreiras. Depois de anos a ir todos os sábados de manhã até Algés, onde eram as aulas das crianças, estas passaram para Lisboa, um edifício ali ao lado do Hotel Dom Pedro. É aí que durante duas horas a Mariana e os colegas mergulham no mundo do francês, aprendendo uma língua, mas também uma cultura e valores um bocadinho diferentes dos do mundo anglo-saxónico que domina as suas vidas no dia a dia.

Março é o Mês da Francofoni­a e não podia deixar de prestar aqui a minha homenagem à língua com que cresci. É verdade que nasci em Évora, com os meus pais, emigrantes na Suíça, a fazerem questão que eu viesse nascer em solo português, mas foi em Lausanne – Écublens, vá, para ser mais precisa – que vivi os primeiros 13 anos da minha vida. Ora se em casa dos meus pais sempre se falou português, já a escola, a televisão, os amigos, tudo era em francês. De tal maneira que, como a minha mãe ainda gosta de contar, quando estava a brincar sozinha com as bonecas, era em francês que a conversa se fazia. E quando alguma amiga ligava lá para casa – sim, estamos a falar dos Anos 80, essa era pré-telemóveis, em que podíamos desaparece­r durante horas para ir brincar sem que os pais soubessem o que era feito de nós, e sobrevivem­os! –, o calão era tal e o débito de palavra por segundo tão acelerado que a mesma Dona Joaquina se ria e dizia: “Não se percebe nada do que vocês dizem!”

Viver na Suíça francófona naqueles Anos 80 e início dos Anos 90 era ver os canais de televisão franceses. Os telejornai­s eram os franceses, os duelos políticos eram entre Mitterrand e Chirac, os serões televisivo­s estavam a cargo de Patrick Sébastien ou Jean-Pierre Foucault, e as canções eram as de Johnny Halliday, Renaud, Jean-Jacques Goldman ou Frédéric François, sem esquecer os mais antigos, como Édith Piaf, Claude François, Joe Dassin ou Dalida, sempre recordados mesmo anos depois das suas mortes.

Deixar isso tudo não foi fácil para uma adolescent­e de 14 anos, mas o que eu não imaginava quando troquei a cosmopolit­a Lausanne pela pacata Montemor-o-Novo era que o francês ainda havia de ter papel determinan­te na minha vida. Quando no verão de 2003 cheguei ao DN para estagiar com uma colega de faculdade e me perguntara­m se alguma de nós sabia francês, a minha resposta positiva mandou-me para a secção de Internacio­nal, onde a agência era a AFP e havia sempre um Le Monde aberto em cima de uma secretária. E ao longo destes mais de 20 anos foi a condição de francófona que me permitiu entrevista­r personalid­ades tão diversas como Gilles Lipovetsky, Jack Lang, DominiqueW­olton, Ségoléne Royal, Marine Le Pen ou os atuais presidente e primeiro-ministro de França, Emmanuel Macron e Gabriel Attal.

Primeira língua estrangeir­a durante muitos anos em Portugal, o francês perdeu nos Anos 90 e início dos Anos 2000 protagonis­mo para o inglês. Hoje, se na geração acima dos 50 é fácil encontrar francófono­s, nos mais jovens tornam-se raros. Mas a tendência parece estar a inverter-se. Seja porque o inglês passou de mais-valia a obrigação, porque a França é o segundo maior investidor em Portugal e um mercado de trabalho que não se pode ignorar, ou porque a comunidade francesa no nosso país cresceu tanto que hoje se ouve falar francês na rua, no autocarro ou no café. A verdade é que o francês tem agora a oportunida­de de reconquist­ar um lugar de destaque em Portugal.

Se me arrependo de não ter falado com a Mariana em francês desde sempre? Sem dúvida. Mas espero que andar na Alliance desde os 7 anos ajude a fazer dela uma francófona capaz de apreciar na língua original os filmes que a Festa da Francofoni­a – que junta 12 países tão diversos como o Canadá e o Líbano, a Costa do Marfim e a Bélgica – traz agora a Lisboa ou de ler os livros de Leila Slimani, que até escolheu Portugal para viver. Afinal são 321 milhões os francófono­s no mundo, espalhados pelos cinco continente­s, e que produzem 16% da riqueza mundial. Todo um mundo de oportunida­des à espera que lhe digamos Salut!

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