O convite, o não-convite e a rejeição
Ainda não estão fechados os resultados das legislativas. Falta a contagem dos votos da emigração, os quais poderiam, aritmeticamente, alterar o desfecho final. Contudo, é mais do que improvável que tal aconteça, pelo que as conclusões retiradas pelos líderes partidários dos dois maiores partidos na noite de 10 de março são adequadas e pragmáticas: o PS passará à oposição e a AD, leia-se o PSD, assumirá os destinos da governação. São as regras da democracia e só há que dar um voto de confiança e desejar sucesso a quem terá por missão continuar a melhorar Portugal e a vida dos portugueses.
Há, porém, toda uma dinâmica pós-eleitoral, sobretudo dos partidos que não alcançaram o poder, que configura estratégias de sobrevivência. E aqui, para já, identifico o que designo por “convite”, “não convite” e rejeição, esta em dose dupla.
O “convite” foi protagonizado pela líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua. Os resultados do partido da extrema-esquerda foram medíocres, uma vez que apenas mantiveram o número de mandatos quando há dois anos haviam caído a pique. Zero recuperação. Ainda assim, a arrogância bloquista continua a debitar um discurso de recusa da vontade dos portugueses. Precisando de um sinal de vida que mascarasse o mau resultado, Mariana imagina-se a liderar um processo de convergência da esquerda e convida PS, PCP e Livre. Um avanço que é desproporcional e incoerente. Vejamos, se este movimento fosse admissível, teria de ser o PS a assumi-lo, não um Bloco decadente. Por outro lado, bem recordo que no período da geringonça era preciso ao PS reunir em separado com PCP e BE, uma vez que estes não aceitavam sentar-se juntos.
O “não-convite” aconteceu com a Iniciativa Liberal. Ou, o mesmo é dizer, o convite não aconteceu. Rui Rocha revelou durante toda a campanha uma atitude de soberba, exibindo propostas ultraliberais, que basicamente visavam privatizar tudo, eliminar e baixar impostos, a um ponto que obviamente conduziria ao colapso do Estado, como bem sabe qualquer pessoa com experiência governativa. Para o líder liberal, fazer parte do governo era mais que certo. O que correu mal foram os resultados eleitorais. A IL, que ambicionava crescer 50%, teve o mesmo destino do Bloco, estagnando. Mais, como somada à AD não chega para bater a esquerda, então tornou-se irrelevante e não recebeu qualquer convite. Estranho é que ande a dizer que não quer fazer parte do governo.
A “rejeição” tem dois protagonistas. Primeiro, o PCP. Ainda não fechou a contagem, ainda não foram recebidos todos os partidos pelo Presidente da República, ainda não há primeiro-ministro, ainda não há governo nem programa, mas Paulo Raimundo já anunciou uma moção de rejeição. Uma atitude incompreensível e muito pouco construtiva. E também uma tentativa de prova de vida de um partido que, nestas eleições, voltou a encolher, num caminho que parece ser de desaparecimento. Não admira, com as ideias datadas e isolacionistas que continua a defender.
Por fim, o Chega, que é o “rejeitado” do momento. Ninguém quer nada com eles, apesar dos seus quase cinquenta deputados. André Ventura, no calor das projeções à boca das urnas, já falava como ministro. A noite do dia 10 foi desfazendo o seu sonho, à medida que aumentava a sua agressividade na reivindicação de um lugar à mesa do poder. Mas como “não é não”, não restou a Ventura nada mais do que um recuo estratégico, um simulacro de colaboração com um governo AD, que bem sabemos se irá desfazer mais cedo do que tarde.
Há toda uma dinâmica pós-eleitoral, sobretudo dos partidos que não alcançaram o poder, que configura estratégias de sobrevivência.